A crise da zona euro não está apenas a abalar o mundo pela sua base financeira, mas também está a ter consequências políticas nunca antes vistas nos antigos Estados comunistas, ajudando a destruir o progresso obtido relativamente à democracia na Europa de Leste, defende o advogado Andrea Capussela.
Como é vista a crise da zona euro a partir da Europa de Leste? Nada bem, é a resposta curta. As leis húngaras e os decretos romenos atraíram recentemente a ira de Bruxelas. Muitos comentadores atribuíram esse facto aos efeitos políticos da recessão: face à desconfiança do povo, o aumento do populismo e conflitos políticos severos, esses governos tentaram reforçar-se de formas consideradas restritivas ou não democráticas por parte de Bruxelas.
Mas esta interpretação não aborda um efeito importante da crise da zona euro: uma mudança nos incentivos a partir dos quais estes governos atuam.
Já todos sabem que a crise ameaça diretamente a sobrevivência da UE e que esta apenas poderá ser ultrapassada passando da soberania para uma forma de união política. E está claro que nem todos os Estados-membros da União Europeia farão parte de tal união política. A alternativa é dura: o fim da UE ou uma UE a duas velocidades. O centro – provavelmente, a atual zona euro – continuará aberto aos outros, mas a passagem de uma união de 27 para uma de 17+10 irá alterar a sua política, uma vez que os países isolados perderão influência e estatuto.
UE é o guardião das instituições
Dessa forma, o problema não se limita à Hungria e à Roménia e, de facto, um recente relatório oficial da organização internacional Freedom House constata que a “estagnação e reincidência são evidentes em indicadores chave de governação nos novos Estados-membros da UE e nos países dos Balcãs”; este fenómeno ainda pode ser observado no quase protetorado da UE, o Kosovo, que se mantem inflexivelmente um “regime autoritário semi-consolidado”. Para estes países a alternativa é serem membros de 2ª classe ou simplesmente não fazerem parte da UE.
Os casos da Hungria e da Roménia são diferentes – as ações da Roménia são reversíveis e esta responde de forma positiva à UE – mas o problema é o mesmo: Bruxelas queixa-se de que estes governos estão a destruir ou a ameaçar o Estado de Direito e os contrapoderes previstos pela Constituição, que adotaram antes de entrarem para a UE. Uma situação que alarmou muitos comentadores, uma vez que a transição para uma democracia liberal era considerada irreversível depois de os países de Leste aderirem à UE.
O que mudou drasticamente, entre o processo de ascensão e esta crise, são os incentivos destes governos. Embora, na altura, a criação destas instituições liberais constituísse um elemento fundamental para alcançar a terra prometida, na qual todos os cidadãos queriam estar, transformaram-se em camisas-de-forças que limitam as ações dos governos contra os efeitos políticos da crise, perante um eleitorado eurocético desorientado e em constante crescimento. Portanto, o verdadeiro guardião destas instituições é a UE. Mas que sanções podem constituir uma verdadeira ameaça para os governos que, num futuro próximo, veem uma UE dissolvida ou a sua integração como membros de 2ª classe?
Budapeste e Bucareste contra a ira de Bruxelas
Foi isto que permitiu a Budapeste e a Bucareste fazer frente à ira de Bruxelas: se ao agirem de forma oportunista conseguem obter mais benefícios políticos a nível interno do que prejuízos, o risco de serem sancionados pela UE não os afeta em nada. E a razão pela qual não houve outros países a seguir o mesmo caminho deve-se simplesmente ao facto de as suas condições nacionais não o exigirem, pelo menos por enquanto.
A recessão, o desemprego e o populismo atingiram também outros países, como a Espanha e a Itália (que tem igualmente graves problemas de governação: a nível de corrupção o país situa-se abaixo da Hungria e apenas ligeiramente acima da Roménia). No entanto, ainda não contestaram as medidas da UE e, pelo contrário, querem “mais Europa”: convém realçar que a Itália está no centro de uma Europa que provavelmente terá 2 velocidades.
Portanto, ao elaborar a futura união política, deve-se também melhorar a relação entre o centro e a periferia para poder restaurar os incentivos positivos que levaram à transição da Europa de Leste. Quanto aos governos, que hesitam em trocar a sua soberania por uma união política, deveriam refletir sobre o facto de a iniciativa autoritária, e muitas vezes nacionalista, de Leste, estar a oferecer-nos uma visão do abismo de uma Europa que desistiu da sua doutrina.
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