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quinta-feira, 8 de março de 2012

O novo pacto orçamental da UE: uma opinião de direita com força de lei!

A Irlanda será o único país a submeter o novo pacto orçamental da UE ao voto popular. Contudo, observa o colunista Fintan O’Toole, o que está realmente em causa é o facto de estar a ser concedido à ideologia neoliberal o estatuto de lei absoluta.
John Maynard Keynes
"… o crime essencial que continha em si todos os outros. Chamam-lhe crime de pensamento." George Orwell, 1984
No referendo que agora vamos ter, a pergunta é… ah, qual é a pergunta?
Não é, como afirmou erradamente, no ano passado, [o ministro das Finanças irlandês] Michael Noonan, um referendo sobre se a Irlanda deve abandonar a zona euro. Não é, como afirmou o primeiro-ministro, na semana passada, uma consulta sobre "recuperação da economia" ou "emprego" ou sobre se "queremos participar na Comunidade Europeia, no euro e na zona euro a partir de agora". Não é indubitavelmente sobre a maneira de definir um défice de 0,5% – e, se fosse, seria a coisa mais bizarra alguma vez submetida a voto popular.
No entanto, tem a ver com a criação de um crime de pensamento. Com uma determinada maneira de pensar que passará a ser considerada ilegal. Não se trata de nazismo, nem de racismo, nem de qualquer outra ideologia odiosa. Trata-se, na realidade, de uma maneira de pensar que, nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, representou o "senso comum" económico de quase todo o mundo desenvolvido: a filosofia de John Maynard Keynes. Esta constituiu o enquadramento intelectual da maior parte do centro-esquerda europeu e dos democratas do New Deal dos Estados Unidos. E está em vias de ser proibida por um tratado internacional, como o tráfico de seres humanos ou a guerra química.
Proibir o keynesianismo, depois da grande crise de 2007, é o mesmo que reagir a um massacre proibindo os coletes à prova de bala. A Irlanda é um bom exemplo. A ideia de Keynes era que os governos deveriam pôr em prática políticas anticíclicas, incorrer em défice para estimular as economias fragilizadas e fazer cortes orçamentais para arrefecer as economias em sobreaquecimento.
Um governo deve ser como uma unidade familiar
Mas a proposta fundamental do tratado orçamental é o conceito básico de que um governo deve ser como uma unidade familiar, ostentando o dinheiro nos anos bons e preparando-se para as emergências nos anos das vacas magras. A sua posição quanto à economia keynesiana é esta: nem pensar nisso. As políticas orçamentais anticíclicas estão proibidas.
Mesmo que pensemos que a abordagem keynesiana está errada, será realmente boa ideia elevar uma ortodoxia que está na moda à categoria de lei absoluta? É esta a estupidez de uma ideologia que não está disposta a admitir a mínima possibilidade de estar errada. Utilizar a crise para transformar uma visão facciosa da economia num facto inquestionável é oportunismo ideológico obtuso.
Mas o tratado orçamental não se ocupa de "factos". É uma opinião de direita a que foi dada força de lei. O "défice estrutural" é uma interpretação fortemente refutada de dados complexos – e tentar transformá-la num conceito jurídico é uma loucura.
E, ainda mais importante, a noção daquilo que é ou não um nível sustentável de dívida pública é totalmente discutível. A resposta depende sempre de circunstâncias como o crescimento económico, os dados demográficos e a estabilidade política.
São as circunstâncias que determinam se existe ou não uma crise
O Japão tem uma dívida pública de 230% do PIB – quase 4 vezes o limite da zona euro. Os mercados, cujos veredictos todos nós devemos acatar como verdades absolutas, não parecem muito incomodados: as obrigações japonesas a 10 anos têm uma taxa de rendibilidade inferior a 1%. São as circunstâncias, e não o nível absoluto da dívida, que determinam se existe ou uma crise.
No entanto, o tratado orçamental parte do princípio de que as circunstâncias são irrelevantes. Assume regras fundamentalmente arbitrárias sobre a dívida, transforma-as em obsessões e obriga-nos a prestar-lhes homenagem. Faz de conta que as circunstâncias e os contextos não existem: um determinado nível de dívida é correto em todos os momentos e em todos os locais.
Nem se dá ao trabalho de discutir os motivos pelos quais os limites específicos que consigna fazem sentido. O consenso aproximado entre os economistas é que uma dívida pública acima dos 80% do PIB prejudica o crescimento económico. Contudo, o limite da zona euro é 60% – um número escolhido simplesmente porque parecia bem.
Por outras palavras: pedem-nos que votemos num assalto ideológico ao poder mal concebido, que pretende tornar ilegal um dos aspetos da discussão sobre política orçamental. Isto é tão paradoxal como a "guerra para pôr fim às guerras": um debate democrático para ilegalizar o debate democrático sobre uma das questões políticas centrais. Um voto para limitar o significado de votar.
CONTEXTO - Dúvidas sobre a data e a redação do referendo
O Governo irlandês ainda não anunciou uma data exata para o referendo sobre o pacto orçamental de 25 Estados-membros da UE. Inicialmente deveria realizar-se em maio ou junho, mas segundo o Irish Times, após o anúncio do Taoiseach Enda Kenny a 28 de fevereiro de que o documento jurídico de dez páginas será submetido ao voto popular, o Governo está dividido relativamente à questão. Segundo fontes governamentais –
…apesar de um ponto de vista geral se pretender que o referendo seja realizado o mais rápido possível, alguns ministros não põem de parte a hipótese de a votação ser realizada após as férias de verão.
Numa entrevista ao diário de Dublin sob a condição de anonimato, um ministro declarou que o adiamento da data –
…nos permitiria esperar e ver o resultado das eleições presidenciais francesas e a alteração, caso exista, na sua abordagem ao Pacto Orçamental.
Irish Independent anuncia que apesar de a redação exata do referendo ainda não ter sido determinada, a questão colocada ao eleitorado será “estritamente técnica e concreta”, dizem fontes governamentais, e estará “apenas relacionada com a alteração da Constituição irlandesa para permitir ao Estado ratificar o pacto”. Dessa forma, a eventual questão colocada no boletim de voto não deverá colocar em causa a adesão ao euro, como foi sugerido pelo ministro das Finanças, Michael Noonan, em dezembro.
Segundo duas sondagens recentes, uma grande parte do eleitorado continua indecisa se irá apoiar a ratificação. Um inquérito do Sunday Business Post concluiu que 44% votará Sim, 29% votará Não e 26% continuarão indecisos. Outra sondagem, do Sunday Independent, conclui que 37% votará a favor, 26% contra e 15% ainda não sabe.

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