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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A globalização mundializou as mesmas “injustiças”…

Escola de Atenas, Raffaelo Sanzio (1483-1520) - Platão (ao centro, à esq.) e Sócrates
A justiça é uma incógnita no mundo que nos consome. Há muito mais pessoas preocupadas e ocupadas com o seu orçamento no final do mês e com outras questões da vida, do que com a justiça. A justiça está ao relento sem cobertor e calor, abandonada e fria. Não somos justos connosco; não somos justos com as escolhas que fazemos. Nem sempre somos coerentes com as atitudes tomadas, o que se abre de imediato, consequente a isso, a porta ao arrependimento e à culpa. Quando não agimos aos apelos da consciência, a frustração acaba por tomar lugar nas nossas vidas. Diariamente, há vidas soterradas por não haver esta preocupação de agir justamente. A verdade é que falamos muito de justiça e fazemos pouco dela!
Que não me entendam mal. Não se trata de se ajustar a nada, não é justeza ou ajuste de contas, mas uma permissão da consciência para se agir autenticamente. Simplesmente deixar que o agir siga o ser, “agere sequitur esse”. Não era por acaso, que os gregos antigos diziam: “As coisas belas são difíceis”. Difíceis, porque as coisas feias como as injustiças estão por toda a parte, em todo o lugar. Basta darmos uma olhadela de relance nos nossos trabalhos, nos nossos salários, nos serviços sociais, nas políticas públicas, na saúde, na educação, nos transportes públicos, nas escolas públicas. É engraçado, se compararmos o valor do maior salário com o valor do menor salário neste país. A discrepância é alarmante. Isso só para ficarmos no salário. Imagine se ampliarmos ainda mais as comparações sociais (no Brasil), ficaremos assustados com tamanha injustiça. Só para termos uma ligeira ideia da desigualdade social (no nosso país), entre os ricos, muitos recebem remunerações astronómicas, além de possuírem um património invejável.
A “Fundação Getúlio Vargas” divulgou o ano passado, no mês de fevereiro, que o segmento dos mais ricos no país representam cerca de 10,42% da população, ou seja, 19,4 milhões de pessoas que concentram nas suas mãos 44% do rendimento nacional. Excessiva riqueza nas mãos de poucos. Se bem que tem muito político neste país assaltando os cofres públicos descaradamente, o que também é uma tremenda injustiça social. Como se não bastasse, as mordomias acumuladas em telefones, residências, viagens e gratificações escandalizam bruscamente a população mal remunerada, que tenta mais exercer justiça e se preocupar com ela. Por causa disso, os políticos no mundo inteiro ocuparam o último lugar em credibilidade profissional. Segundo uma pesquisa feita no ano passado, a classe política é a menos confiável pela população. Um descrédito por causa da injustiça, diga-se de passagem.
Platão, na sua obra clássica A República, mostra-nos que a justiça é um desejo universal, um anseio de todos os seres humanos, em toda a parte. Ela não é apenas um conceito no meio de um emaranhado de conceitos, mas uma condição para que a filosofia e o viver sejam aplicados. Não nos podemos esquecer de uma questão aqui pertinente, a liberdade. Pois, o que dá sentido à nossa liberdade é a justiça. Sem justiça é impossível haver liberdade, intencionalidade, consciência. O ideal perfeito de uma cidade justa proposta por Platão na Politéia, ou República, é a possibilidade de se pensar no meio do que é real, a injustiça, o que deveria existir e não existe, a justiça, um valor ideal que não se perde de vista. A justiça, por isso, tem um alcance ético: ver não só o que acontece, as injustiças, mas o que deveria acontecer, a justiça. O facto de a consciência alimentar a esperança ou a desesperança de que é possível a justiça, coloca-nos entre aqueles para quem a vida tem sentido. Apoderados desse anseio, longe de nós qualquer negação pelos interesses coletivos daqueles mais necessitados da sociedade, como também da realização plena dos seus direitos. Nenhum de nós se pode dar ao luxo de ceifar uma vida digna às gerações presentes e futuras.
Dito isto, imaginem-se agora detentores de um poderosíssimo anel capaz de os deixar invisíveis, com a oportunidade de fazer o que bem quiser, certo ou errado, justiças ou injustiças. O que diria para si mesmo? Faria o que deveria ou não?
Vejamos o que nos diz Platão sobre a justiça: “Giges era um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-o e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes factos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo tratou de ser um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder” (PLATÃO. A República. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 1983, pp. 55-60).
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

2 comentários:

  1. Por aqui, exactamente os mesmos problemas. Que mundo este, Miguel!

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  2. Anabela
    Os retratos sociais são fotocópias em qualquer país. Eu só recorro a textos brasileiros, porque os nossos intelectuais nem dizem nada e quando dizem é numa linguagem tão erudita, que nem eles entendem.

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