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domingo, 7 de agosto de 2011

E porque não? O “alterne” não é melhor…

Slavoj Zizek é um pensador daqueles que fogem à regra. Filósofo esloveno, comunista convicto, afeito à Psicanálise e ao cinema com todas as suas facetas, não perde um segundo de pessoalidade e ironia nas suas colocações. Um sujeito polémico, mas incrivelmente otimista. Talvez duas forças destoem de seu temperamento, curioso e engraçado ao mesmo tempo. Pude perceber um pouco do universo do seu pensamento pelas entrevistas que concedeu recentemente à Globo News, como também pela sua vinda recente a São Paulo, onde participou de uma série de outras entrevistas, uma delas publicada na Revista Cult, junho de 2011, nº 158.
O mais engraçado das suas declarações ultimamente foi o facto de admitir a possibilidade de um sorteio para se chegar ao poder, como numa espécie de lotaria. Imagine assistir da sua casa a um sorteio dos seus candidatos pela TV ou pela rádio, ou mesmo pela internet. O que diria disso? Pois é. Uma alternativa discutida por esse filósofo que não diz nada à toa. Há por trás dessa ideia alguma coisa de muito, mas muito séria. Não é uma ideia de se jogar fora.
Repare bem que estamos em tempos de uma desconfiança muito grande na democracia, no seu sistema eleitoral, no caminho que se faz para se chegar ao poder em qualquer parte do mundo. As nossas eleições estão cada vez mais caras e ditam um ritmo de corrupção indesejada pela opinião pública. As ditaduras espalhadas pelo mundo estão a cair (caso da Tunísia e do Egito) porque não respondem às expectativas populares de subsistência mínima que vai da comida à economia passando pela ecologia. Ora, se assistimos à queda de regimes de extrema esquerda, também assistimos a grandes estragos em regimes políticos de extrema direita ao longo da história. Experiências de governo parecem ter frustrado a humanidade nos últimos decénios, ainda assim insistimos em voltar a alguns, como é o caso da insistência de Zizek pelas ideias de Marx e outros que defendem a força quase imorredoura das manifestações populares, das reivindicações das camadas trabalhadoras em benefício da solidez do Estado e da qualidade de quem o governa. Com uma boa dose cómica nas suas palavras, Zizek não abre mão das suas convicções pró comunistas que vão da fina crítica ao liberalismo económico dos países capitalistas, propondo uma derrubada gradual e não imediata do capitalismo à eleição de governantes por sorteio.
(No Brasil, as reeleições parecem ser um entrave quanto à alternância do poder, muito embora se questione em algum momento a qualidade deste poder.) Segundo Zizek, mesmo na Grécia, palco fundador da democracia, “as pessoas já sabiam que é preciso haver algum elemento de contingência na democracia. O único jeito pelo qual a democracia funcionaria seria combinar qualificação e contingência” (Rev. Cult, junho 2011, nº 158, p. 17).
Zizek sorri da fragilidade do sistema capitalista ao qual estamos submetidos, lembrando a crise económica de 2008 que assustou todos e a sua relação com a democracia: “Há limitações na democracia como a conhecemos, mas os principais candidatos à sua sucessão não funcionaram bem... Em 2008, os bancos ocidentais estavam em pânico e não forneciam crédito. Na China, o poder central apenas ordenou aos bancos que o fizessem. É por isso que a Europa retrocedeu e a China cresceu... Os sonhos do século XX acabaram. Vocês, brasileiros, têm a sorte de não terem recebido uma dose muito grande de populismo. Na Argentina, o peronismo foi a pior catástrofe que aconteceu” (idem).
Ao comparar o populismo de Lula com o de Chávez, lança-se totalmente a favor de Lula: “Não vamos confundir populismo com apelo popular... Mas o trágico em Chávez talvez seja o facto de ele ter dinheiro demais, de modo que pode mascarar as dificuldades em vez de as enfrentar” (idem). Para ele, o genial da democracia é o que as sociedades mais maquiam e escondem, a ideia de que o trono do poder estará sempre vazio: “E se dissermos que o trono está sempre vazio? O trono é ocupado apenas temporariamente e reocupado pelas eleições livres” (idem). É aqui onde mora o fiasco do sistema eleitoral (brasileiro), as eleições não são tão livres assim. Há o direcionamento dos media pelas propagandas sem limites quase que escolhendo por nós. Há o uso do dinheiro público desenfreado no período eleitoral que financia as mais questionáveis formas de adquirir voto. Há a cumplicidade popular que não resiste à estrutura corrupta das eleições no país: Ou por necessidade ou por oportunismo. A democracia está absolutamente restrita, muitas vezes, às condições de propaganda e marketing, bem como às estruturas de lista pronta dos partidos.
Com todo este cenário desolador da política (brasileira), ainda assim é possível pensar seriamente numa “lotaria” do poder? Diz Zizek que sim: “Quando Veneza era superpotência nos séculos XIV e XV, as suas regras para a eleição eram a coisa mais louca. Não digo loucura completa, com a escolha de idiotas. Há regras para que os idiotas não cheguem lá. Mas, no limite, deve ser uma lotaria” (idem). Diante do estado de coisas desarrumadas em que se encontra a estrutura das eleições democráticas (no Brasil), unindo-se ao nefasto desgaste sem critério com que se elegem as pessoas mais despreparadas possíveis ao poder, não seria demais, tampouco exagero, criar uma malha fina com critérios rigorosos para que o Estado ganhe pessoas dignas, qualificadas e que atendam aos apelos populares de ecologia, economia e bem-estar social.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica

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