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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Perdido num mar revolto de indiferença, sem revolta…

A foto de Sebastião Ferreira Maciel, que o JN publicou na edição deste sábado, é uma daquelas imagens que valem mais do que mil palavras e escondem outras tantas. A fotografia mostra - e a curta, mas soberba, reportagem sublinha - um dos náufragos do "Mar Nosso" a chegar a casa, em Vila do Conde, num incaracterístico táxi branco asturiano. Sebastião regressou sozinho do hospital de Gijón para onde foi levado, depois de resgatado da tábua flutuante a que se agarrou com outros pescadores até ser salvo. Carregava na mão 2 pequenos sacos plásticos, quase vazios, com o que se supõe serem os seus pertences. E, na alma, o peso de quem ouviu os gritos do cunhado, companheiro de faina, a morrer a seu lado nas águas geladas do Atlântico.
Alfredo Leite
Já se sabe que, de tão comum, a morte de pescadores em Vila do Conde e, em especial, nas Caxinas tende a ser banalizada. Mas a forma crua como se (não) apoia uma vítima como Sebastião Maciel só nos pode chocar. O mesmo Estado que envia aviões Hércules C130 para resgatar feridos à Líbia ou trazer de volta a Lisboa aprendizes de repórteres de guerra, vítimas de delinquentes comuns, tem uma embaixada em Madrid que não é capaz de fretar um carro e arranjar apoio psicológico para acompanhar o sobrevivente de uma situação traumática extrema nos 500 quilómetros que separam as Astúrias do reencontro com a família.
Tratando-se de um pescador, é caso para perguntar: o que é feito da diligente ministra da Agricultura e do Mar? Do ministro dos Negócios Estrangeiros, de quem depende a diplomacia sediada na capital espanhola, já sabemos. Está sempre no lado errado da coisa. É certo que a época de Páscoa não é a mais adequada para se pedir a presença de uma governante democrata-cristã no apoio aos sobreviventes, nem a participação nos funerais das vítimas. Mesmo que Assunção Cristas saiba, melhor do que ninguém, a importância de ter um carro à mão, ainda que não se tenha escapado à morte, nem visto um familiar a morrer ao lado. Há uns 2 anos, passando por Paris em trânsito para a África do Sul, Cristas viu-se obrigada a pernoitar na capital francesa à falta de um voo de conexão. Diz quem viu que a ministra (e respetivo staff) se irritou com o contratempo e que, após algumas peripécias que não importam para este caso, obrigou mesmo a embaixada portuguesa em Paris a enviar um carro para o Aeroporto de Charles de Gaulle. Viatura essa que acabaria por transportar a governante e comitiva para um hotel nos arredores do... Charles de Gaulle.
Nas Caxinas, o pároco da freguesia somará esta semana a infame conta de quase 100 enterros de pescadores. Se Cristas não pode perder tempo com naufrágios casuísticos, então talvez tenha possibilidade de responder a D. Jorge Ortiga, que ontem interrompeu as visitas pascais para ir até Vila do Conde. Disse o arcebispo de Braga que "o Governo deve ver o que pode fazer no sentido de que estes casos não voltem a repetir-se, porque são muitos e muito frequentes". Esperemos pelo fim da Páscoa para ver se alguém no Governo tem resposta para a preocupação de D. Jorge Ortiga. Ou será que não têm palavras?
O momento do encontro de um sobrevivente com a família nas Caxinas

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