A Mesa 5 do Correntes d’Escritas voltou a exceder a expetativa de público, que lotou o Centro de Congressos do Axis Vermar, numa noite de sexta-feira. O painel moderado por Michael Kegler contou com as explanações de Carlos Quiroga, Joana Bértholo, Manuel da Silva Ramos, Manuel Jorge Marmelo, Miguel Sousa Tavares, Ondjaki e Rui Zink, sobre o tema: “Cada livro é a antologia corrente da existência”.
O primeiro a abordar o tema foi o galego Carlos Quiroga, que realizou um trabalho de campo prévio, indo às livrarias perguntar se tinham “Antologia corrente da existência”, no que foi entendido nalguns casos como um ato provocatório. Recebeu como resposta algumas perguntas de surpresa total: “Corrente como? Da existência de quem?”
Apesar de todo o esforço, Carlos Quiroga não deu o trabalho totalmente por perdido, pois da “conversa com o último fulano, veio a ideia do cruzamento com a propaganda que há algum tempo recebia: trata-se do anúncio de um revolucionário conceito de tecnologia de informação chamada de Local de Informações Variadas Reutilizáveis e Ordenadas: L-I-V-R-O. Um avanço fantástico, sem fios nem circuitos elétricos nem pilhas, não requer que se conete ou ligue a nada e é tão fácil de usar que até uma criança o pode utilizar”…
Joana Bértholo estreou-se no Correntes e como resposta ao desafio resolveu contar a sua experiência de “fazedora de livros” num projeto social na Argentina (Cartonera), em que cada livro era feito à mão por artistas e artesãos, numa comunhão de esforços que resultava num objeto único. Deixou a reflexão – “um livro está para a existência como uma flor está para um jardim”.
Manuel da Silva Ramos contou a reflexão que realizou para responder à questão colocada para esta Mesa e resolveu olhar para os seus 18 livros publicados e, através deles, olhar para o passado “com olhos de lince discreto”. E, facilmente, vê a sua vida passada, com as transformações e etapas de homem, com uma sensação estranha: “tão poucos livros para tão grande vivência”.
O premiado deste ano do Correntes d’Escritas, Manuel Jorge Marmelo afirmou que não percebia muito bem a frase proposta. “A dificuldade começa logo na expressão ‘corrente’, para a qual existem para cima de 20 significados possíveis; ‘existência’ é uma daquelas palavras totalitárias que facilmente inclui a vida e a realidade inteiras. E ‘antologia’ tanto pode ser uma simples coleção atualizada de textos como o estudo das flores. Supondo ainda assim que a expressão antologia corrente da existência designa uma coleção atualizada da vida ou da realidade e que esta seleção transitará para cada livro que escrevo, creio que acabaríamos por não concluir grande coisa”.
Marmelo afirmou ainda que “os livros de ficção que escrevo são de algum modo a tal antologia corrente da existência, mas ao mesmo tempo não o são de modo nenhum”. É que a ficção cria uma realidade paralela.
Ondjaki considerou que “cada vida é uma antologia à solta” e resolveu apresentar ao público do Correntes a biografia do seu vizinho. Na história apresentada pelo escritor angolano, o seu vizinho é que é o autor dos seus livros, as suas histórias são a ficção criada pelo vizinho, afinal, ele nunca escreveu nada.
Rui Zink confessou que não esperava que estivessem 600 pessoas a assistir à sessão e saudou o “milagre das Correntes”, que conseguiu reunir mais pessoas que os “446 partidos de esquerda, que se formaram nas últimos 48 horas, para unir a esquerda”.
Rui Zink concorda com a frase de título da Mesa 5: “parece óbvio, já que tudo o que eu escrevo tem uma ligação direta ao quotidiano, e numa daquelas coincidências espantosas, tudo o que eu leio também tem tudo a ver com o que estou a viver”. Zink afirmou que com o livro “A instalação do medo” (de capa cinzenta) quis salvar Portugal, entretanto a corrente de salvação do escritor estende-se para outro livro de capa “rosa chiclete” – “A metametamorfose e outras fermosas morfoses” – com o qual quis salvar o Mundo.
Miguel Sousa Tavares responde, Não, à pergunta “Cada livro é a antologia corrente da existência?” O autor considera que se o livro (que contém toda a condição humana) fosse a antologia corrente da existência, seria a “pior exigência que se poderia fazer a um contador de histórias, que era a de lhe retirar o direito essencial à mentira. Um livro, um romance não é nem uma antologia, nem um relatório ou sequer um relato da existência, apenas dá conta de que quem o escreveu estará vivo e essa é a única ligação à existência, a sua própria existência.”
Sem comentários:
Enviar um comentário