É difícil imaginar esta lista de presentes espalhados à volta da árvore de Natal: pistola Smith & Wesson semi-automática – custava 529 dólares (€400), agora fica por 499 dólares (€378). Ou mais vistoso: espingarda semi-automática semelhante à que Adam Lanza utilizou no massacre de Newtown – antes 1.499 dólares (€1.135), agora 1.299 dólares (€984).
Nuno Castro
O panfleto é-nos colocado no correio, lado a lado com as revistas e cupões de desconto nos supermercados e restante comércio local. E a promoção parece dar resultado. Na Black Friday (sexta-feira após o feriado do Thanksgiving, a 22 de Novembro) os americanos correm para as lojas atrás dos tradicionais descontos em roupa, gadgets e… armas. Apenas nesse dia, venderam-se nos Estados Unidos, pelo menos, 154.873 armas – foi este o número de registos criminais pedidos ao FBI, um passo obrigatório antes de o cliente poder levar a nova compra para casa.
Vamos então às compras. A Academy é o equivalente a um grupo como a Decathlon, mas com uma oferta ainda mais diversificada. Vende todo o tipo de artigos desportivos e armas. Ao lado dos artigos de caça, uma vitrina e uma prateleira estão repletas de pistolas, espingardas e munições. Quando o empregado se oferece para me ajudar, pergunto-lhe que arma me aconselha. “Tem experiência a disparar?” “Não. Nunca dei um tiro.”
Para novatos no mundo das armas, a primeira opção é uma pistola da marca argentina Bersa, com balas de 9 milímetros e capacidade para disparar 8 tiros seguidos. Custa 399 dólares (€302). A segunda é uma pistola bastante mais pequena. Quase parece um brinquedo. “Mas isto faz o mesmo efeito que a Bersa?” “Sim, e se disparar várias vezes de certeza que imobiliza a outra pessoa.” Passamos agora à Glock: “Uma pistola muito popular porque é muito resistente e pode sempre contar com ela.” Finalmente, a Taurus, uma pistola brasileira muito procurada porque “também dispara tiros de caçadeira”. “Tiros de caçadeira?” “Sim, é muito mais eficaz à noite, por exemplo, em que não dá para fazer pontaria e os chumbos dispersam-se para a zona onde se dispara.”
Feita a vistoria às armas, identifico-me como jornalista e digo-lhe que não estou interessado em levar nenhuma. “Mas, se quisesse, que documentos precisaria de apresentar?” Um – a carta de condução local, que se consegue ao fim de um exame de código com 30 perguntas e um teste de condução de 20 minutos.
Além disso, seria obrigado a preencher um formulário sobre os meus antecedentes criminais que depois seriam confirmados com o FBI. Mas, alertou esta semana o Brady Institute (movimento que defende mais controlo na venda de armas), cerca de 70.000 pessoas mentiram este ano ao preencher os formulários e apenas 7.000 foram acusadas criminalmente. Se quisesse transportar a arma na rua, no entanto, seria obrigado a frequentar um curso.
Antes da despedida, a pergunta da praxe sobre o negócio: “Não sei os números exactos, mas a procura está a aumentar. Depois do que aconteceu em Connecticut as pessoas estão com medo que mudem a legislação e limitem o acesso às armas, por isso estão a aproveitar agora.”
Cada vez que acontece um massacre nos EUA, como em qualquer outro lado, acontece sempre aquele ritual de flores e velas, reportagens com imagens com lágrimas e sentimentos à flor da pele, em memória… Logo depois, discute-se o problema da posse e porte de armas pessoais, mas logo depois de esquece o drama e recomeça tudo de novo, até ao próximo massacre.
Bem sabemos que nos EUA existe o lóbi das armas, que defende o negócio como se tratasse de pão para a boca (deles) e que a sua “aprovação” pelo cidadão comum é um referente cultural, fruto de séculos de violência e guerras, que não será fácil contrariar.
Há tempos, numa conferência a que assisti, perguntava-nos um intelectual brasileiro se conhecíamos algum herói americano, que não fosse militar ou ligado à guerra… Conhecem? Só os Super-Heróis e raras exceções…
Para quem vive de fora e longe dessa realidade cultural é fácil entender que ou se corta o mal pela raiz (acabando com a facilidade na obtenção de todas as armas - que matam) ou a erva daninha (psicopatas, mas mesmo gente normal em desequilíbrios circunstanciais) ganha sempre terreno e na circunstância a arma é “o melhor e único remédio”…
Não adianta chorar sobre o leite derramado, muito menos ficar à espera da rever o mesmo filme de cowboys, porque já se sabe que quem morre são sempre os inocentes, quando não, Presidentes…Entretanto chega-nos uma boa notícia:
Celebridades americanas exigem o controlo de armas
Excelente artigo com pontos de vista interessantes com os quais me identifico.
ResponderEliminarPara nós, que estamos do outro lado desta cultura belicista, é fácil estarmos de acordo, mas também é fácil para quem está "preso" a essa cultura consiga pensar que sem armas (em casa) ninguém pode matar ninguém com um tiro. Básico, mas... haverá algum americano adulto, que não tenha participado numa guerra e desvalorizado o valor da vida? Só por isso se entende que defendam a pena de morte, outra espinha entalada naquela cultura...
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