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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A imprensa na Europa (hoje) - 2/5

A cumplicidade entre os órgãos de comunicação social e os políticos parecia maior do que nunca nos tempos do Presidente Sarkozy. Mas, em vez de pôr de lado velhos hábitos, o discreto novo chefe de Estado, François Hollande, gosta de manter os meios de informação por perto.
O principal jornal conservador do país destituiu o seu diretor editorial, aparentemente na esperança de cair nas boas graças do novo Governo. Uma revista cultural também contratou uma nova diretora editorial, escolhendo para o cargo a companheira de um recém-empossado ministro. O homem que ela substituiu foi trabalhar para o novo Presidente.
A eleição de François Hollande, o primeiro Presidente francês de esquerda em 17 anos, trouxe consigo grandes movimentações nas fileiras dos meios de comunicação social e, igualmente, uma série de potenciais conflitos de interesses.
A cobertura noticiosa também sofreu alterações. Muitos dos órgãos de informação, que na sua maioria tendem para a esquerda, costumavam deliciar-se a criticar o antecessor de Hollande, Nicolas Sarkozy, mas, agora, muitos jornalistas queixam-se de que lhes falta matéria, por causa do estilo de governação menos espetacular do novo Presidente. Dizem que Hollande se revelou espantosamente desinteressante, em especial para os órgãos de informação que por vezes fazem a cobertura do Governo como se nada mais importasse, baseando-se na política de Paris para orientar as notícias.
A linha de separação entre os políticos e os órgãos de informação é um tanto indistinta em França, onde os destinos de alguns jornalistas há muito que vão a reboque dos destinos dos membros do Governo a quem incomodam ou a quem agradam. As ligações estreitas de Sarkozy com executivos dos órgãos de comunicação foram consideradas de certo modo um escândalo e a sua presidência atraiu um exame mais profundo deste tipo de relações incestuosas.
Conflitos de interesses
Na sua campanha, Hollande assumiu o compromisso de ser "exemplar". No entanto, num país onde a maior parte da elite de Paris tem antecedentes comuns, frequentou as mesmas escolas e foi às mesmas festas, a associação tradicional de jornalistas e políticos resistiu. Daniel Carton, antigo repórter em França, acusa os órgãos de informação de não fazerem o suficiente para resistir a tais laços estreitos. "Eles sabem exatamente o que precisam de fazer para evitar que as coisas se descontrolem, mas não o fazem", disse Carton, um franco crítico dos conflitos de interesses no jornalismo francês.
Durante décadas, os jornais dependeram grandemente de subsídios estatais. Os órgãos de informação públicos, que integram talvez metade dos principais noticiários de rádio e de televisão, ainda são dirigidos por pessoas nomeadas segundo interesses políticos. Os órgãos de informação privados pertencem a empresas ou investidores com inclinações políticas ou ligações de negócios com o Estado, o que prejudica a imparcialidade jornalística.
Neste ciclo eleitoral, a história mais espantosa talvez seja a da situação de Etienne Mougeotte, cuja carreira como diretor editorial do diário de direita Le Figaro começou e terminou com a presidência de Sarkozy, o político que apoiou e de quem, disse-se, terá sido conselheiro.
"Somos um jornal de centro e de direita e apoiamos Nicolas Sarkozy", disse Mougeotte, no ano passado, ao diário de centro-esquerda Le Monde. Sob a direção de Mougeotte, Le Figaro foi regularmente criticado, por vezes pelos seus próprios repórteres, como sendo o porta-voz do Governo.
Hollande terá pedido a demissão de Mougeotte, segundo algumas notícias de órgãos de informação franceses, e esta ocorreu em julho.
O responsável pela empresa editora, Serge Dassault, é senador do partido de Sarkozy. Mas Dassault também lidera uma grande empresa da indústria aeronáutica e do armamento com contratos com o Estado, e segundo a especulação generalizada, a demissão de Mougeotte pretendeu colocar o grupo Dassault numa boa posição junto do novo Presidente.
Membros escolhidos a dedo
A revista cultural Les inRockuptibles contratou como nova diretora editorial Audrey Pulvar, figura da rádio e da televisão e companheira do ministro Arnaud Montebourg, membro destacado do Partido Socialista [renunciou, finalmente, a 21 de dezembro].
Audrey Pulvar anunciou recentemente o fim da sua relação com Montebourg, mas outras relações do mesmo género continuaram. Valérie Trierweiler, a companheira de Hollande, começou o seu caso com o atual Presidente, que conheceu num contexto profissional, em começos de 2000, quando este era membro da Assembleia Nacional. Relutantemente, neste outono, Valérie Trierweiler renunciou ao projeto de relançar a carreira jornalística na televisão mas mantém a sua coluna de crítica na revista Paris Match.
Audrey Pulvar substituiu David Kessler, que é agora conselheiro de Hollande. Por outro lado, um repórter de assuntos jurídicos da rádio Europe 1 passou a ser porta-voz do Ministério da Justiça. Um repórter político do jornal financeiro francês Les Échos faz agora parte do gabinete de imprensa do primeiro-ministro.
Os órgãos de informação públicos também passaram por mudanças pós-eleitorais. Em outubro, Hollande nomeou um novo diretor para as estações informativas internacionais de rádio e televisão, RFI e France 24. Comprometeu-se a rever a lei que lhe permitiu proceder a essa nomeação, mas só no próximo ano.
Os diretores da Radio France e da France Télévisions, ambos nomeados por Sarkozy, deverão ser substituídos. A lei atual, que institui a nomeação dos dirigentes dos órgãos de informação públicos como prerrogativa presidencial, foi introduzida por Sarkozy, em 2009. Na altura, alguns comentadores chamaram a esse medida uma tomada do poder. Sarkozy disse que a intenção era retirar uma capa de "hipocrisia" ao processo de nomeação, que era controlado por um conselho governamental cujos membros eram escolhidos a dedo.
Ansiando por mais excitação
Os órgãos de informação públicos já não servem a função de propaganda do Estado, como serviam efetivamente pelo menos até finais dos anos 1970, mas continuam sob "supervisão" do Governo, afirmou o sociólogo Jean-Marie Charon, que estuda os meios de comunicação social.
As publicações privadas estão também dependentes do Estado, pelo menos financeiramente. No ano passado, o Governo pagou-lhes €1.100 milhões em subsídios.
As publicações de esquerda lutam por "encontrar a distância certa" em relação ao Governo, adiantou Charon. A euforia que dominou a cobertura política no verão passado no Libération, Le Nouvel Observateur e Le Monde transformou-se desde então em azedume. Seja qual for a tendência dos órgãos de informação franceses, a partida de Sarkozy deixou muitos deles ansiando por mais excitação.
"Tivemos cinco anos que foram extraordinários. Tínhamos um homem que era o centro de tudo", disse Pierre Haski, cofundador e editor do site de notícias Rue89. "De repente, passámos de uma sobrecarga para uma falta de carga." E acrescentou: "Sarkozy era bom para as vendas. Hollande não é bom para as vendas."

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