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domingo, 23 de dezembro de 2012

Mas a “caridade” não começa na nossa casa?

Segundo o Tribunal de Contas Europeu, é praticamente impossível verificar como o dinheiro dos apoios europeus é gasto nos países em desenvolvimento. Um enorme escândalo de fraude estoirou no Uganda e comentadores em Campala interrogam-se sobre os motivos pelos quais os doadores europeus continuam a canalizar dinheiro para um país corrupto.
Timothy Kalyegira tem um conselho simples a dar ao seu Governo: roube o máximo de dinheiro que possa dos programas de apoio. Se os países europeus “não têm nada melhor para fazer com o dinheiro dos seus contribuintes do que dá-lo a um Governo com um historial comprovado de corrupção”, então é “perfeitamente lógico” que os funcionários corruptos do Governo o possam gastar em casas e carros caros.
Kalyegira é um comentador político bem conhecido no Uganda. Expressa regularmente a sua opinião no jornal independente Daily Monitor. O seu comentário sarcástico é uma reação a um dos maiores escândalos em matéria de apoios financeiros ao seu país.
União Europeia, Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca, Noruega e Alemanha suspenderam €225 milhões de apoios ao Uganda. Os países doadores respondem desta forma ao roubo de pelo menos €10 milhões destinados ao Norte do Uganda, uma região que procura recuperar do conflito armado [depois de alcançado um acordo de paz em 2009]. Exigem que esses fundos sejam restituídos, como condição para retomarem o seu programa de auxílio.
Cidadãos dormem nas ruas
Comentadores, jornalistas e leitores de jornais no Uganda acolheram a decisão com desprezo, ridicularização e descrença. É evidente que a principal responsabilidade recai sobre os funcionários do Governo do Uganda que desviaram o dinheiro. Mas não terão os países europeus também parte na culpa? Continuam a entregar dinheiro a um Governo que já por imensas vezes provou a sua propensão para roubar verbas de beneméritos. “No fundo”, argumenta Kalyegira, os governos europeus flagelados pela recessão “preferem ver os seus próprios cidadãos a dormir pelas ruas e a dependerem de bancos alimentares”, a deixar os africanos sem ajuda ocidental.
Os fundos roubados no Uganda destinavam-se a apoiar o orçamento nacional, era dinheiro transferido diretamente para o Governo. A ideia subjacente era que os países beneficiários seriam mais capazes de determinar onde a ajuda é necessária. Acreditava-se também que o apoio orçamental funciona como estímulo político. O Uganda foi o primeiro país a receber apoio orçamental do Banco Mundial, na década de 1990. O Presidente Yoweri Museveni foi assim recompensado pela sua política de estabilização macroeconómica. Entretanto, Museveni governa o país há 27 anos e os escândalos de fraude passaram a ser o pão nosso de cada dia.
O facto de o apoio orçamental nem sempre ter o efeito desejado foi confirmado na terça-feira por Karel Pinxten que, em nome do Tribunal de Contas Europeu, comentou ter a União Europeia cativado €160 mil milhões para apoios deste tipo, no ano passado. “Assim que o dinheiro é transferido, perde-se-lhe o rasto”, afirmou Pinxten. “É um risco que não estamos dispostos a voltar a correr.”
Poucos ugandeses acreditam nestas palavras. Na verdade, os doadores continuaram com o apoio orçamental, apesar de os fundos serem roubados à Comunidade das Nações e ao Global Fund, uma organização de combate à sida, malária e TBS (síndrome de Townes-Brocks, doença genética rara).
“Acreditamos que não vai demorar muito a que o apoio ocidental seja retomado”, considera Kalyegira. “Os nossos ministros poderão, então, voltar a comprar carros de luxo, levar as esposas e amantes às compras no Ocidente e construir centros comerciais em Campala.” Assim se explica o lapidar conselho ao roubo do dinheiro: se os doadores se recusam a dar ouvidos às críticas, que sejam confrontados com as consequências.
Relação neocolonial de dependência
Joachim Buwembo, outro comentador, escreveu que lhe apraz a atitude de roubo continuado do Governo do Uganda. Se persistir nessas práticas, o Ocidente acabará por não ter outra opção senão parar definitivamente com os apoios ao desenvolvimento e acabará a relação “neocolonial” de dependência. Adicionalmente, escreve Buwembo, isso poderá levar a uma diminuição da corrupção. Só por haver menos para roubar.
Representantes do Norte do Uganda, a quem se destinavam os fundos roubados, não querem que os apoios acabem por completo. Ao contrário dos comentadores dos jornais de Campala, beneficiam desse dinheiro, pelo menos em teoria. Mas não têm objeções a que a ajuda seja suspensa até os ladrões serem processados.
Sempre se disse, que a caridade começava na nossa casa, depois na nossa rua e por aí adiante…
Então os 160 mil milhões de euros, cativados para apoios deste tipo, que afinal são para apoios a alguns tipos, não chegavam para abrandar a austeridade nos países resgatados ou pelo menos para por as suas economias a funcionar de uma vez?
E são os próprios “beneficiários” a denunciarem que os governos europeus flagelados pela recessão preferem ver os seus próprios cidadãos a dormir pelas ruas e a dependerem de bancos alimentares, a deixar os africanos sem ajuda ocidental. E por isso, alguém chama a esta política de neocolonial, e será ou traz muita água no bico…
Quanto mais informados somos, mais baralhados ficamos…

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