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sábado, 29 de dezembro de 2012

A imprensa na Europa (hoje) - 3/5

A era da Internet multiplicou as promessas: íamos todos ser autores, jornalistas ou editoras, e íamos todos ganhar dinheiro. No entanto, a democratização da informação nunca chegou a acontecer, constata o chefe de redação do jornal FAZ. Excertos.
Não soubemos aproveitar esta aurora cheia de promessas! Todos tinham na secretária ou no bolso aparelhos que lhes ofereciam meios de comunicação que nem o Presidente dos Estados Unidos possuía, isto há 20 anos; não eram precisos grandes investimentos para se formar um estúdio de televisão ou uma editora: tudo era possível, diziam todos exaltados, mas não agarrámos a oportunidade. Um desastre, sejamos sinceros, onde a mensagem de um sonho nos faz refletir, agora que estamos despertos.
O que aqui está em causa não é a crise da imprensa. Quando vemos a grande máquina mediática reagir de forma automática e crítica – nem sempre com más intenções, mas dando sempre lições – às “ocasiões falhadas” [do setor] após os anúncios de insolvência do Frankfurter Rundschau e do encerramento do Financial Times Deutschland, é sinal que está na hora de ver quem está no barco.
O iPhone ou o futuro social
Arredondemos os números para os que adormeceram: 10 anos de comércio eletrónico, 10 anos de economia da informação, 5 anos de smartphones aos quais se juntam pelo menos 20 anos de ideologia, elaborada pelos intelectuais da Web, isto é a autonomização de todos os cidadãos enquanto voz da opinião pública, e da participação individual.
Para onde foi toda esta euforia dos primeiros tempos? O que é que ainda é verdade nestas teorias sobre uma tecnologia que devia abalar as relações sociais e económicas – estaremos perante o maior golpe de marketing da história, orquestrado por Silicon Valley?
80.000.000 de alemães pensaram que se tornariam de um dia para outro a sua própria editora, autora e impressora: onde está o novo Pulitzer? Onde estão os modelos de blogue, de startup ou de comunicação que funcionam pelo menos minimamente na Web?
Se há cada vez mais pessoas a desejar o desaparecimento dos órgãos de comunicação social chamados “tradicionais”, talvez se deva ao facto de alguns considerarem que a única forma de serem bem-sucedidos é livrando-se da concorrência. “Que comam o futuro!”, eis a resposta do célebre ensaísta americano Thomas Frank a esta estratégia – por outras palavras: devemos partir do princípio de que cada nova geração de iPhone contém o programa do futuro social.
A exploração de si próprio
Não há ninguém que goste mais de brincar ao determinismo tecnológico do que os jornalistas. Wolfgang Blau, por exemplo, diretor do site do Zeit – que nunca lucrou um único cêntimo, mas que vive graças à notoriedade do jornal, cuja estabilidade financeira é constantemente colocada em causa – surge hoje como a encarnação do pensamento neoliberal: foi esta a decisão do mercado, somos obrigados a lidar com o desaparecimento de diversos setores económicos.
A tábua de salvação está pronta: hoje em dia, um site especializado na economia dos meios de comunicação social não tem nada a dizer contra o facto de os fabricantes de bens de consumo lançarem os seus próprios sites de informação – o que permite pelo menos identificar os conflitos de interesses. Ficamos contentes por ouvir a Apple falar das condições de trabalho na China ou a Coca-Cola evocar os benefícios da mundialização.
A verdade é que, na sua versão alfa atual, o único resultado que a economia da informação teve foi a emergência de líderes industriais e de um fenómeno de concentração que, cada vez mais, faz com que o indivíduo seja o seu próprio explorador. A “ideologia californiana” anunciada há já alguns anos por Kevin Kelly – padroeiro de Silicon Valley [fundador da revista Wired] – disfarça o regresso do neoliberalismo escondido atrás da utopia tecnológica.
A predição de Kevin Kelly, segundo a qual cada um de nós tem direito a 15 megabytes de celebridade e pode obter receitas publicitárias generosas sem sair de casa tornou-se apenas realidade para um grupo restrito de pessoas no mundo. O exemplo mais marcante é o projeto do site da milionária Ariana Huffington o HuffingtonPost, que foi comprado pela AOL e que é conhecido por não remunerar os seus autores.
O que nos trouxe a nova economia da informação se não permitiu a criação de novos meios de comunicação? Gigantes do setor, que eliminam obras dos leitores de livros eletrónicos sem autorização (Amazon), censuram os títulos de certas obras ou o conteúdo do histórico (Apple, Facebook), ou destacam os seus próprios produtos nos resultados de pesquisa, uma vez que se consideram também um meio de comunicação (Google).
Redefinição das normas culturais
O novo livro de Naomi Wolf: Vagina: a new biography tornou-se “Vagina” na loja online de livros eletrónicos da Apple e foi preciso o caso provocar uma tempestade para a Apple voltar a colocar o título original. Evgeny Morozov citou este exemplo e outros no New York Times, chamando a atenção para o facto de os gigantes da informação estarem a redefinir as normas culturais de forma autoritária e, na maioria das vezes, sem ninguém dar por ela.
Continuamos à espera do desenvolvimento político e social do cidadão, que teria acesso a toda a informação com um simples clique, anunciado por Silicon Valley. A participação do cidadão limita-se cada vez mais a recomendar um conteúdo e exprimir o seu estado de espírito através de um “gosto”.
Demonstrar, como o fez Robert S. Eshelman na revista The Baffler, que a Primavera Árabe não foi provocada pelo Twitter e o Facebook, mas por sindicatos que se organizavam há anos em segredo, não constitui uma ofensa aos smartphones ou ao Facebook. Este tipo de demonstração procura mais saber como o jornalismo internacional chegou a esta conclusão – e por que lhe custa tanto refletir sobre a declaração do antigo diretor da Google no Egito, Wael Ghonim, que explicou que “a classe operária egípcia não foi contactada pela Internet nem pelo Facebook”: “As redes sociais desempenharam um papel importante, é verdade. Mas esta revolução não foi uma ciber-revolução”.
Todos no mesmo barco
Seja online ou em suporte de papel, os jornais que deixaram de interessar os leitores não podem culpar mais ninguém a não ser eles mesmos. Mas alguma vez aconteceu o contrário? Será que a Alemanha do século XXI se preocupa realmente com o facto de não poder tocar no que se lê? Todos sabemos que, num mundo sem papel, um jornal em suporte de papel torna-se automaticamente um nicho de mercado.
Como se fosse esta a questão. Como se não se tratasse sobretudo de saber se os jornalistas pretendem resistir à tentação de um fenómeno viral ou, pelo contrário, continuar a aparecer como as caricaturas de um setor que transformou a sua própria crise num título sensacionalista. Como se não existisse verdadeiramente uma diferença ontológica entre os bloguistas e os jornalistas, por exemplo, e não apenas divergências individuais; e como se não estivessem todos no mesmo barco. Uma coisa é certa: os jornais devem transmitir informações que suscitam o intelecto do leitor, e é nesta área que têm mais coisas a aprender.
O semanário Die Zeit questiona-se “como consegue sobreviver o jornalismo de qualidade”. No entanto, não é essa a questão. Num mundo onde se sabe quem mais beneficiaria com o fim do debate público, a questão chave que se coloca é: poderá uma sociedade sobreviver sem jornalismo de qualidade? Numa altura em que há cada vez mais jornalistas a seguir as previsões sociais de Silicon Valley e de Wall Street, podemos responder sem grandes rodeios e simplesmente: de forma alguma.

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