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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Recado para a troika: sem PROCURA INTERNA, nicles!

A economia global enfrenta um grande desafio de crescimento. Muitos países desenvolvidos estão a tentar retomar o crescimento sustentável face à desaceleração da economia global. Mas, entre os vários países, os desafios não são os mesmos. Em particular, os sectores transaccionável e não transaccionável de diversas economias diferem em larga medida.
Michael Spence*
No sector não transaccionável (60% a 70% da economia nos países desenvolvidos), os maiores inibidores do crescimento são a fraca procura, como nos Estados Unidos após a crise financeira, e os impedimentos estruturais e competitivos à produtividade, como no Japão. No sector transaccionável, o crescimento depende da produtividade de um país em relação aos rendimentos e à competitividade. Ao nível global, também pode haver uma escassez de procura agregada no sector transaccionável.
O economista e prémio Nobel, Robert Solow, mostrou que o crescimento advém de 3 fontes: população activa, investimento de capital e progresso tecnológico. Uma população jovem crescente contribui para manter o equilíbrio fiscal e garantir a equidade entre gerações, mas não aumenta, por si só, os rendimentos. Por outro lado, um crescimento económico abaixo da soma do crescimento da população activa e da poupança de mão-de-obra decorrente dos progressos tecnológicos contribuiu para o aumento do desemprego.
Uma vez que os países em desenvolvimento entram num processo de crescimento rápido, este fica a dever-se, em parte, a um aumento do capital via investimento, que compensa a falta de investimento do passado. E é possível que os países desenvolvidos fiquem para trás devido à falta de investimento, especialmente no sector público, e dependam de meios menos sustentáveis e impulsionados pela dívida. Assim, uma parte legítima da estratégia para restaurar o crescimento é o investimento.
No entanto, como observou Solow, o investimento tem os seus limites, devido à diminuição dos retornos marginais. Esses limites são variáveis mas, uma vez que o aumento da intensidade de capital se esgota, o progresso tecnológico, que torna os “inputs” mais produtivos na criação de valor final, é o factor que impulsiona o crescimento a longo prazo.
O desafio consiste em aplicar estes princípios num mundo caracterizado por grandes desequilíbrios, pela interdependência económica global e pelo agravamento do problema do crescimento e do desemprego. É um mundo em que as economias estão conectadas directamente no sector transaccionável da economia mundial, e indirectamente através das ligações de procura e emprego entre os sectores de bens transaccionáveis e não transaccionáveis das economias individuais.
No curto prazo, o sector não transaccionável está sujeito, por definição, às limitações da procura interna. A queda da procura no sector não transaccionável limita, inevitavelmente, o crescimento desse lado da economia.
Naturalmente, os governos podem colmatar as falhas através dos gastos deficitários (preferencialmente centrados no investimento gerador de emprego e crescimento futuro). Contudo, os países avançados estão fiscalmente limitados por uma dívida pública crescente, que se deve, em grande medida, a desequilíbrios fiscais que estiveram ocultos até os modelos defeituosos de crescimento falharem na crise de 2008.
Ainda está por debater até que ponto é que estes países estão limitados, em termos fiscais. Itália e Espanha estão claramente limitadas pela falta de capital privado nos seus mercados de dívida soberana, pelo que o aumento das taxas de juro ameaça a sua estabilidade fiscal e os seus programas de reformas. Precisam do núcleo central da Zona Euro e do Fundo Monetário Internacional enquanto emprestadores temporais de ultimo recurso, até conseguirem recuperar a credibilidade política e reconquistar a confiança dos investidores.
O mercado de dívida soberana dos Estados Unidos ainda não revela sinais de ter chegado a um limite, mas os mercados de dívida não emitem muitos sinais de alerta: a prova é a repentina subida das taxas de rendibilidade dos títulos da dívida de Itália e Espanha, há um ano atrás.
As questões mais complexas do crescimento têm a ver com a parte transaccionável da economia mundial, em que a procura agregada mundial – e a procura derivada que recai em diversos pontos das cadeias mundiais de produção ou de valor acrescentado – é o alvo da concorrência.
A procura total e o seu crescimento têm a sua importância, mas a participação no mercado também. Tendo em conta os padrões de crescimento nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento antes da crise e, em seguida, o grande choque, é provável que haja uma queda da procura agregada mundial no sector transaccionável, impedindo uma componente importante do crescimento global.
Mas, no caso das economias individuais, a produtividade relativa versus níveis de rendimentos determina a parcela de procura agregada transaccionável global que está acessível. Ao contrário do lado não transaccionável da economia, a componente doméstica da procura transaccionável mundial não é uma restrição absoluta ao crescimento, tal como a taxa de crescimento da procura transaccionável mundial, dada a possibilidade de aumentar a participação.
Naturalmente, nem todos podem ganhar participação ao mesmo tempo. Infelizmente, se os países aumentam a produtividade com o objectivo de impulsionar a produtividade relativa e o potencial de crescimento no lado transaccionável, isto irá aumentar os rendimentos e acelerar o crescimento da procura agregada global. Pode parecer um jogo de soma zero, mas não é.
Quando os rendimentos não estão em consonância com os níveis de produtividade, estimular o crescimento exige a redefinição da relação de intercâmbio, que pode ser feita com taxas de câmbio, sejam fixadas pelos governos ou definidas pelos mercados. Na Zona Euro, onde os países com problemas de competitividade não dispõem do mecanismo de ajustamento da taxa de câmbio, provavelmente serão necessárias reformas que limitem os rendimentos e impulsionem a produtividade, como ocorreu na Alemanha entre 2000 e 2006, e está a acontecer agora em vários países do sul da Europa.
O que é verdade para os países, em relação ao sector transaccionável, também é verdade para os trabalhadores, que são afectados de forma diferente pela evolução das cadeias mundiais de produção e distribuição. A integração eficiente de tais cadeias criou oportunidades de emprego nos países em desenvolvimento, e nos sectores de maior valor acrescentado dos países em desenvolvimento, mas também reduziu as opções de emprego para um subconjunto de pessoas de classe média nos sectores transaccionáveis das economias avançadas.
Muitos países estão a esforçar-se para adaptar os seus padrões de crescimento aos novos desafios de uma economia global em desaceleração. Para serem eficazes e estarem devidamente orientadas, as políticas devem incluir um diagnóstico exacto do potencial de crescimento e das limitações tanto do sector transaccionável como do sector não transaccionável da economia. Centrar-se num deles (o problema da competitividade no sector transaccionável, por exemplo) excluindo o outro (talvez um défice da procura no sector não transaccionável, ou uma produtividade estagnada) não será suficiente.
*Michael Spence, prémio Nobel da Economia 2001, é professor de Economia na Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque. O seu último livro é "The Next Convergence – The Future of Economic Growth in a Multispeed World".

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