Em tempos de crise, quando se ganha 1.000 euros brutos por mês e não se quer renunciar totalmente ao consumo, a economia de baixo custo não é uma escolha, mas uma obrigação.
Em Espanha, há 17.100.000 de pessoas que ganham cerca de 1.000 euros brutos por mês. Estamos a falar de 63% da população. Pelo menos é o que garante o Sindicato de Técnicos do Ministério das Finanças (Gestha). Com este dinheiro no bolso, fazê-lo chegar ao fim do mês é uma tarefa digna de Hércules. E, mais do que ir às compras, muitas famílias fazem contas. Portanto, para milhares de espanhóis comprar um produto é hoje um ato de renúncia.
Nesta paisagem cruel, o fenómeno do custo reduzido [low cost em inglês] cresce, reproduz-se e não dá indícios de poder vir a morrer em breve. Pelo contrário. Cada vez ocupa mais espaço social e económico. Restaurantes, viagens, automóveis, seguros, eletrónica, imóveis, lazer, roupa, alimentação. Nada parece escapar à atração gerada pelo custo reduzido. A dúvida é se o custo reduzido sobreviverá, quando a crise acabar. Trata-se de uma estratégia estrutural ou conjuntural? Até que ponto terá o consumidor mudado, por essa altura? Será mais racional e menos impulsivo? Poderemos, por conseguinte, acreditar que a procura do preço mais baixo se transformou numa nova forma de vida?
"Gastar muito e compulsivamente é uma patologia que tratamos com frequência, mas poupar, ainda que seja de forma compulsiva, não tem caráter clínico", explica Guillermo Fouce, doutorado em Psicologia e professor da Universidade Carlos III (Madrid). Ninguém fica doente por poupar. Não é uma reflexão trivial, visto que todos os comportamentos de compra levados ao extremo podem gerar problemas..
Em busca do preço mais baixo
Do que também não há dúvidas é que o consumidor que venha a emergir do período pós custo reduzido será diferente do atual. Primeiro, devido às novas lições a aprender. "Com o custo reduzido, o comprador está a descobrir que pode comprar produtos semelhantes a partir de preços mais baratos. E, agora, quem quiser vender mais caro está acabado", refere, com toda a clareza, o responsável pela secção de Distribuição e Consumo da empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers, Javier Vello.
Em segundo lugar, "depois da crise, o cliente tentará gastar o menos possível e terá maior consciência do que está por trás de cada artigo", prevê Vello. O que terá consequências. A pouco e pouco – e isso terá grande influência nas estratégias comerciais das empresas – tornar-se-á mais difícil estabelecer o perfil do consumidor e, por conseguinte, falar-se-á de oportunidades de consumo.
Haverá, por exemplo, quem adquira marcas brancas, no caso de determinados produtos, mas, ao pensarem noutros artigos, as mesmas pessoas, com poder de compra idêntico, comprarão os mais caros. No entanto, tudo isto deverá acontecer no futuro. Entretanto, no presente, o conceito de custo reduzido propaga-se a uma infinidade de atividades.
"O consumidor passou daquilo que designo por ‘funcionalidade superior’ para uma ‘funcionalidade suficiente’, que é mais barata. Ou seja: porque hei de comprar um automóvel com todos os extras, se, na verdade, não preciso deles?", considera Javier Rovira, professor da escola de Gestão de Negócios e Marketing ESIC.
Juan Carlos Esteban, um jovem desenhador, casado e com dois filhos, é uma prova de que a forma de vida a custo reduzido tem vindo a impregnar-se em boa parte da sociedade espanhola. A sua "estratégia de custo reduzido", iniciada em 2007, "quando as despesas começaram a tragar o salário" estende-se às telecomunicações – "em pouco tempo, mudei três vezes de operadora de telemóvel e, em vez de 50 euros por mês, gasto 18" –, aos seguros – "para o carro, contratei uma apólice de seguro contra todos os riscos com franquia, que representou uma poupança de 350 euros em comparação com a anterior" – e à alimentação – "compro sobretudo marcas brancas". Garante que, no total, somando todas as poupanças, gasta menos 25% por mês do que antes de ter adotado o seu plano de austeridade.
Solução para não repetir roupas
Segundo Jorge Riopérez, sócio responsável pela secção de Consumo e Indústria da KPMG, "a essência do low cost não é praticar preços em baixa porque sim, mas cortar custos não relevantes para baixar os preços". E acrescenta: "Há uma confusão permanente entre low cost e low price [preço baixo]. O primeiro implica, obviamente, baixar os preços, mas a luta de preços por concorrência não tem necessariamente que ser acompanhada por uma redução de custos. Pode assentar apenas na redução da margem."
Seja como for, no fundo, este fenómeno transmite um sentimento de premência e de necessidade mas, também, por paradoxal que possa parecer, de não querer abdicar do nível de vida alcançado e continuar a ter acesso a um produto de fruição ou de simples luxo. "A maior consciencialização das famílias face aos problemas económicos atuais, está a aguçar o engenho, quando se trata de inventar artimanhas para aceder a determinados caprichos que, de outra forma, seriam totalmente inacessíveis", explica David Sánchez, diretor de Media Analytics da consultora de mercado Nielsen.
É nessa procura de manter o nível de vida que reside boa parte do sucesso do fenómeno do couponing. Ao lado das linhas aéreas e dos portais de compras coletivas de artigos de moda, são a figura de proa que representa o auge do conceito de custo reduzido. De facto, a procura de pechinchas e bons preços na Rede disparou em 64% a audiência destes portais de descontos e cupões, que oferecem lazer a preços mais baratos. E, dentro destes estandartes, os outlets [lojas de produtos fora de época] digitais de luxo fácil e moda são um pequeno jardim zoológico de cristal que engloba a idiossincrasia deste tipo de ofertas. Mas quem tiver memória económica recordar-se-á de que o grande crescimento do custo reduzido em Espanha ficou a dever-se às companhias aéreas. Talvez não tanto em termos de faturação mas antes de reconhecimento social deste fenómeno.
No entanto, é indiferente a perspetiva segundo a qual o interpretemos: seja custo reduzido, preço baixo ou promoção, a verdade é que o low cost permite a milhares de pessoas libertarem-se da sensação, que se agarra à pele, de serem o homem do ano passado, resignado a vestir a mesma roupa dos 365 dias anteriores, a ir às mesmas lojas e a comprar os mesmos artigos.
HABITAÇÃO - Partilhar a casa para não a perder
Por causa da crise, uma nova tendência ganha terreno no mercado imobiliário de Barcelona e de outras grandes cidades, escreve El Periódico: a coabitação.
A crise não congelou apenas a venda de apartamentos e a descida de salários. Também provocou uma nova composição dos lares urbanos, em que agora se juntam desconhecidos obrigados a partilharem um teto para poderem sobreviver sem terem de recorrer à ajuda da família. O que outrora era uma prática limitada aos estudantes estende-se agora àqueles que estão na faixa dos 30 e são ativos – e mal pagos – bem como a muitos casais separados e desempregados. Há quem alugue um quarto para poder pagar uma hipoteca que já não conseguem pagar sozinhos. Alguns inquilinos subalugam (o que, a priori, é ilegal) para conseguirem pagar a sua própria renda.
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