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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino… da Terra!

Há dias pareceu avivar-se o velho debate sobre como taxar a riqueza, respondendo ao mote lançado pelo multimilionário Warren Buffett na edição de 15 de Agosto do The New York Times, e que teve na Europa o mérito de criar alguma ressonância positiva entre alguns muito ricos alemães e franceses. (Sobre o real significado desta tomada de posições muito há ainda a dizer, mas que deixarei para outra crónica).
Juraria então, quando de seguida li e ouvi as declarações de algumas figuras proeminentes da classe alta portuguesa sobre o que entendem ser o seu estatuto face à riqueza, ter visto um vislumbre da antiga silly season, exuberante outrora na demonstração de episódios de benévola decadência varonil das nossas elites. Mas foi só um vislumbre, que em tempos de crise nem a silly season escapa. Não era afinal caso para risos; não eram gafes dos nossos ricos. Era genuína convicção.
Tais figuras estão na verdade convencidas de que não são assim tão ricas! Mais, de que tudo o que possuem é não só justo, como chega a ser diminuto em relação, quer aos congéneres internacionais, quer ao muito que trabalham e ao muito que dão ao País. São no fundo apenas e tão só gentes muito trabalhadoras e arrojadas, ao contrário de todos os demais que as invejam enquanto se roçam, na sua leitura avisada, nas paredes do assistencialismo privado e da solidariedade pública.
Escudar-se numa extensa malha de dificuldades técnicas para taxar a riqueza sempre teria sido uma forma mais sofisticada (como o foi aliás para alguns, às cavalitas de meia dúzia de analistas, nos dias subsequentes) de se distanciar da ideia sem deixar transparecer por onde andam as coordenadas do seu mapa ideológico.
Mas no calor e surpresa de há pouco mais de quinze dias, houve em Portugal quem nem esperasse pela formação do discurso técnico e declarasse de imediato porque é contra estas ideias: porque não são assim tão ricos. É que quando ideias que até parecem de labor e sabor socialista, já não se limitam a surgir nas campanhas eleitorais com a chancela política dos partidos de direita, e passam a surgir agora com o assentimento dos próprios ricos e muito ricos, que fazer senão distanciar-se de todos eles, e declarar-se fatalmente como mero remediado?
Os tempos de crise (de finanças e de espírito) são assim: eficientes e oportunos quando toca à instalação de leituras que substituem, por exemplo, a ideia de direitos legítimos pela de concessão contingente ao mérito. Nova-velha ideologia da meritocracia, atrás da qual se esconde afinal uma visão da cidadania, já não como espaço de direitos, mas de concessões sujeitas à interpretação discricionária de quem na sociedade detém a capacidade para tanto.
Ora, nesse discurso que muitos manejam com destreza desde que nasceram, não há ricos nem pobres, apenas gente que merece e gente que não merece o que tem, ou aquilo a que aspira. 
Em Portugal há cerca de 2 milhões de pobres e de muito pobres. É um facto. Mas quanto a ricos e muito ricos, é uma chatice, porque afinal, não há nenhum. Só gente séria, muito trabalhadora, que merece tudo o que tem e a quem o país deve o não ‘fechar de portas’. Em tão boa conta se têm. E em que conta nos terão?
Isabel Estrada

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