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domingo, 31 de julho de 2011

Após a queda do último Império…

Em praticamente todas as regiões do mundo, inúmeros problemas latentes e persistentes podem ser solucionados através de uma cooperação mais estreita entre os países vizinhos.
A União Europeia apresenta o melhor modelo sobre como é que vizinhos que durante tanto tempo lutaram entre si podem acabar por se aliar em torno de um benefício mútuo. Ironicamente, o actual declínio do poder global da América poderá levar a uma cooperação regional mais eficaz.
Esta poderá parecer uma altura estranha para elogiar a União Europeia, atendendo às crises económicas na Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda. A Europa não solucionou o problema de equilíbrio dos interesses das economias fortes do Norte e das economias mais fracas do Sul. Ainda assim, as conquistas da UE compensam enormemente as suas actuais dificuldades.
A UE criou uma zona de paz onde antes havia uma guerra sem tréguas. Providenciou a estrutura institucional para reunir a Europa Ocidental e Oriental. Promoveu uma infra-estrutura à escala regional. O Mercado único tem sido crucial para fazer da Europa uma das regiões mais prósperas do planeta. E a União Europeia tem sido uma líder global em matéria de sustentabilidade ambiental.
Por estas razões, a UE constitui um modelo único para outras regiões que continuam enredadas em situações de conflito, pobreza, falta de infra-estruturas e crise ambiental. As novas organizações regionais, como a União Africana, vêem na UE um modelo para a resolução de problemas e para a integração. No entanto, até ao momento, a maioria dos grupos regionais continua a revelar-se demasiado fraco para solucionar os problemas prementes dos seus membros.
Na maioria das restantes regiões, as contínuas divisões políticas encontram as suas raízes na Guerra Fria ou na era colonial. Durante a Guerra Fria, os vizinhos competiam frequentemente entre si, ao "escolherem o seu campo" - aliando-se aos Estados Unidos ou à União Soviética. O Paquistão pendeu para o lado dos norte-americanos; a Índia para o lado dos soviéticos. Os países tinham poucos incentivos para criarem climas de paz com os seus vizinhos, desde que continuassem a usufruir de apoio financeiro por parte dos EUA ou da URSS. Pelo contrário, os contínuos conflitos conduziam frequentemente à obtenção de mais ajuda financeira.
Com efeito, os EUA e a Europa agiam muitas vezes no sentido de fragilizar a integração regional, que acreditavam que limitaria a sua capacidade de influência. Assim, quando Gamal Abdel Nasser fez um apelo à unidade árabe, nos anos 50, os EUA e a Europa viram-no como uma ameaça. Os Estados Unidos tentaram fragilizar o seu apelo em prol de uma forte cooperação e nacionalismo árabe, receando uma perda da influência norte-americana no Médio Oriente. Isso fez com que Nasser alinhasse cada vez mais o Egipto com a União Soviética, tendo acabado por fracassar no intento de unir os interesses árabes.
No entanto, a realidade actual é a de que as grandes potências já não conseguem dividir e conquistar outras regiões, mesmo que tentem. A época do colonialismo terminou e estamos agora a abandonar a era do domínio mundial dos Estados Unidos.
Os recentes acontecimentos no Médio Oriente e na Ásia Central, por exemplo, reflectem claramente o declínio da influência norte-americana. A incapacidade, por parte dos Estados Unidos, de conseguirem uma vantagem geopolítica duradoura através da utilização da sua força militar no Iraque e no Afeganistão, sublinha os limites do seu poder, ao mesmo tempo que a crise orçamental norte-americana assegura que o país irá reduzir os seus recursos militares muito em breve. Da mesma forma, os EUA não desempenharam qualquer papel nas revoluções políticas que estão em curso no mundo árabe e ainda não reagiram com qualquer tipo de política clara perante a situação.
O recente discurso do presidente Barack Obama sobre o Médio Oriente constitui uma demonstração suplementar do declínio da influência dos norte-americanos naquela região. O referido discurso chamou a atenção sobretudo por apelar a Israel que regresse às suas fronteiras de 1967, mas o efeito foi anulado quando Israel pura e simplesmente rejeitou a posição dos Estados Unidos. O mundo pôde constatar que não iria ser dado grande seguimento a este apelo.
O resto do discurso foi ainda mais revelador, apesar de ter passado relativamente despercebido. Quando Obama se referiu aos tumultos políticos no mundo árabe, salientou a importância do desenvolvimento económico. No entanto, no que diz respeito às acções norte-americanas, o máximo que os EUA puderam oferecer financeiramente foi um ligeiro alívio da dívida do Egipto (mil milhões de dólares), magras garantias de empréstimos (mil milhões de dólares) e alguma cobertura seguradora para os investimentos privados.
A verdadeira mensagem foi que o governo dos EUA iria contribuir de forma pouco significativa em termos financeiros para a retoma económica da região. A época em que um país podia depender em larga escala do financiamento norte-americano acabou.
Em suma, estamos a caminhar para um mundo multipolar. O fim da Guerra Fria não conduziu a um maior domínio dos EUA, mas sim a uma disseminação do poder global por muitas regiões. O Leste Asiático, o Sul da Ásia, a América Latina e o Médio Oriente têm agora uma nova influência geopolítica e económica. Cada vez mais, cada região tem de encontrar o seu próprio caminho para o desenvolvimento económico e para a segurança alimentar e energética, bem como para uma infra-estrutura eficaz, e deve fazê-lo num mundo ameaçado por alterações climáticas e por escassez de recursos.
Assim, cada região terá de garantir o seu próprio futuro. É evidente que isso deve suceder num contexto de cooperação entre regiões e dentro delas mesmas.
O Médio Oriente está numa posição suficientemente sólida para o conseguir. Existe um elevado grau de complementaridade económica entre o Egipto e os Estados do Golfo ricos em petróleo. O Egipto pode fornecer tecnologia, mão-de-obra e conhecimentos periciais à região árabe, ao passo que o Golfo pode fornecer energia e financiamento, bem como alguns especialistas. Há que reconsiderar a visão há muito rejeitada de uma união económica árabe.
Israel também deveria reconhecer que a sua segurança e prosperidade de longo prazo serão em parte melhoradas com uma região economicamente mais forte. A bem dos seus próprios interesses nacionais, Israel deveria entender-se com os seus vizinhos.
Outras regiões irão também descobrir que o declínio do poder dos EUA intensifica o carácter de urgência de uma cooperação mais sólida entre vizinhos. Algumas das maiores tensões a nível mundial - como entre a Índia e o Paquistão, ou entre as duas Coreias - devem ser resolvidas, a bem de um fortalecimento de toda a região. Conforme o demonstra a União Europeia, as inimizades e as linhas de batalha de outrora podem ser transformadas numa cooperação mutuamente vantajosa se uma região optar por olhar em frente para colmatar as suas necessidades de longo prazo, em vez de olhar para trás, para as suas rivalidades e conflitos históricos.
Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e director do Earth Institute na Universidade de Columbia. É também conselheiro especial do Secretariado Geral da ONU no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

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