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domingo, 31 de agosto de 2014

Morrer para nos mostrar a outra “verdade” da vida dos outros…

Eu tive medo. Não sei como é possível dizer que não se tem medo em situações como aquela. Mais do que coragem, é preciso muita inconsciência ou loucura para largar tudo e fazer a cobertura jornalística de um qualquer conflito armado. Ser jornalista numa guerra deixou de ser uma missão nobre. Agora somos apenas alvos fáceis e moeda de troca para terroristas que procuram publicidade a qualquer preço.
João Adelino Faria
Estava a trabalhar em Londres quando recebemos a informação de que um colega nosso tinha sido raptado. De imediato, tentámos tudo para ajudar na libertação. Todos concordámos em não mostrar o vídeo que nos tinha sido enviado. Um amigo dele pegou no telefone para avisar a família, mas era tarde de mais.
Uma estação televisiva ignorou o pedido e mostrou de imediato ao mundo as imagens do nosso colega. Um homem aterrorizado, de joelhos, com uma arma apontada por terroristas cobardes, escondidos atrás de máscaras. As imagens chegaram, assim, primeiro à família do que as nossas palavras de aviso e conforto.
Não vale a pena descrever o que qualquer ser humano sente - muito menos uma família - ao ver inesperadamente imagens como aquelas. Imagens que agora recordei, ao ver o jornalista norte-americano James Foley a ser decapitado. Como ele há muitos outros jornalistas ainda reféns e que receiam ter o mesmo destino. O que os terroristas querem é publicidade e aterrorizar governos para que pague milhões a troco de mais libertações. Com este dinheiro compram mais armas, tornam-se mais fortes, matam mais gente e raptam mais inocentes. Oficialmente, nenhum governo admite pagar resgates mas sabe-se que França, Alemanha, Itália e Espanha podem já ter desembolsado milhões em troca da libertação de reféns.
Hoje as televisões não conseguem evitar este tipo de notícias. Neste caso da decapitação, por mais que se divulgue apenas os primeiros minutos do vídeo, estamos, ainda que involuntariamente, a ajudar os assassinos. É uma decisão complicada escolher entre ignorar uma notícia mundial ou, em nome do direito à informação, divulgar as imagens mesmo sabendo as consequências que acarretam.
Pior ainda é a ajuda dada pelas redes sociais a estes terroristas. Mesmo que as grandes televisões e jornais não mostrem, as imagens dos raptos partilhadas na internet tornam-se ainda mais eficazes para os raptores. Organizações que aprenderam o poder dos vídeos virais e por isso utilizam agora como ninguém Facebook, Instagram, YouTube e Twitter. Aqui a censura é mais difícil e, em segundos, conseguem aterrorizar o mundo com imagens de decapitações e raptos. Não podemos ignorar que a simples partilha destes vídeos na internet, mesmo que seja para criticar, ajuda muito os terroristas e incentiva ainda mais raptos e execuções.
Quando passei por cenários de guerra - Bósnia, Médio Oriente, Irlanda do Norte, País Basco - tive medo. Mas sabia que mesmo os terroristas reconheciam que os jornalistas eram essenciais ali. O cenário mudou por completo. Hoje, ser jornalista nestes locais perigosos quase não serve para nada. Passou a ser puro suicídio.

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