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domingo, 3 de junho de 2012

Juntos pelo território, pela história e pelo destino!

As raízes da crise bancária atual mergulham no pensamento antieconómico que domina no país desde a Reconquista e da descoberta da América e que impediu o seu desenvolvimento. Um estado de espírito que a adesão à União Europeia, em 1986, não veio alterar. Excertos.
Assinatura do Tratado de Tordesilhas
Que se passa em Espanha? Durante o mandato de José María Aznar como primeiro-ministro (1996-2004), o país ainda era tido como aluno modelo da UE em matéria de crescimento. Os fundos estruturais europeus afluíam à quarta economia da zona euro ao nível dos 150 mil milhões de euros.
Mas, dos terrenos pobres da Andaluzia e de Castela não brotaram empresas florescentes e, sim, projetos de investimento ruinosos, cujos vestígios se encontram hoje tão degradados como os castelos da época do Cid. Uns e outros são a expressão de um modelo social antieconómico que caracteriza a Espanha desde há meio século.
A Espanha viveu o período dos tempos modernos num isolamento voluntário, que só terminou nos anos 1960 do século passado, quando o ditador Francisco Franco abriu o país ao turismo. Assim, a Espanha entrou tarde e penosamente na modernidade, "nervosa e apressada como um convidado que chega atrasado a um banquete e que tenta, como pode, recuperar o que perdeu" – escreveu, em 1969, Juan Goytisolo, em "Espanha e os espanhóis", um ensaio que se mantém atual.
Foi com a mesma pressa que, 20 anos mais tarde, a Espanha começou a gastar o maná caído do céu, sob a forma dos fundos estruturais europeus. No entanto, em vez de investir numa sociedade produtiva, quis fazer parte da Europa o mais rapidamente possível e modernizar-se, o que queria dizer ter um ar moderno. Ao princípio, o dinheiro foi gasto com discernimento mas, mais tarde, passou a ser utilizado com uma precipitação alimentada pela política fundiária ultraliberal de José María Aznar.
Tocha do imobilismo empunhada pelo catolicismo
Contudo, a marcha triunfal do antieconomismo começou em 1492. Na época, a Espanha tinha não apenas descoberto a América mas também conquistado o último reduto do domínio árabe em Granada, antes de, nos séculos seguintes, expulsar do país judeus e mouros. Acontece que estas duas comunidades detinham as rédeas das artes e ofícios e do comércio. E o fidalgo cristão abominava o labor: todos os trabalhos lhe estavam interditos, em nome de um estranho código de honra, e só via uma missão divina na soldadesca.
As riquezas das colónias escorriam entre os dedos dos espanhóis como ouro líquido. A Europa Central enriquecia com o ouro inca, enquanto a nobreza espanhola dormitava passivamente sobre os rendimentos de latifúndios em ruínas.
Durante 3 séculos, tudo o que se assemelhasse a uma atividade produtiva foi objeto de perseguições por heresia por parte da Inquisição. Quem ousasse fazer investigação, ler ou dedicar-se a tarefas manuais corria o risco de acabar na fogueira.
Com o desaparecimento da Inquisição, a tocha do imobilismo passou a ser empunhada pelo catolicismo espanhol. Nem mesmo a laicização do país conseguiu quebrar essa armadura. Só no País Basco e na Catalunha se assistiu ao aparecimento de zonas industriais. É verdade que foram criadas ligações de transporte – mas com grandes obstruções. Assim, existia uma rede ferroviária, mas a bitola não era a mesma que em França, para o país não ficar demasiado perto da Europa. A Europa termina nos Pirenéus, dizia-se então.
Movimento anarquista forte
Só no século XIX se assistiu ao aparecimento tímido de uma burguesia dinâmica, mercantil, politizada. A Espanha é o único país do mundo que foi palco do surgimento de um movimento anarquista forte. Este tem hoje a sua versão revista nos indignados da Puerta del Sol em Madrid, que estão unidos na revolta contra o capitalismo mas que não conseguem associar-se.
O anarquismo triunfou nos anos 1830, até ser esmagado por Franco e pelo seu golpe militar, durante a Guerra Civil. Franco fez regressar bruscamente a Espanha aos tempos da Inquisição. Para impor a calma, promoveu deliberadamente o imobilismo, após a sua vitória. O número de proprietários explodiu, graças à construção de habitações e às ajudas financeiras. Ao fazer isto, Franco lançou a primeira pedra do boom especulativo que iria ocorrer mais tarde.
A Espanha soube superar com brilho a agitação política que se verificou quando do fim da ditadura, em 1975, e dotou-se de uma sociedade liberal. Mas, em contrapartida, no plano económico, manteve-se bloqueada na época da Baixa Idade Média.
Deitar abaixo a barreira dos Pirenéus
Ainda hoje, muitos jornais e blogues espanhóis caracterizam-se por um discurso egocêntrico e por querelas partidárias. O provincianismo não permitiu que Castela ou a Andaluzia seguissem o modelo do País Basco ou da Catalunha, duas regiões mais produtivas que, por seu turno, se recusam obstinadamente a partilhar o seu saber-fazer com o resto do país.
Para os espanhóis, escreve Juan Goytisolo, a questão não é tanto obter ganhos materiais de uma tarefa mas o empenho pessoal nessa tarefa. Acontece que os mercados anglo-saxónicos, regidos pela fria eficácia protestante, não dão tempo a que uma tal estratégia dê frutos, no plano comercial. Hoje, por falta de orçamento, as mutações necessárias para reestruturar o sistema educativo e a investigação, centrando-os na prática, são impossíveis.
Enquanto a Europa não se decidir a deitar abaixo a barreira dos Pirenéus, desbloqueando ajudas direcionadas em favor da modernização da economia e da educação, a Espanha será obrigada a refugiar-se numa das características da sua personalidade, que, segundo Juan Goytisolo, sempre prejudicou a sua ascensão: a falta de ambição.
Os espanhóis sabem suportar uma crise. É uma coisa que tem feito ao longo de 500 anos.
VISTO DE ESPANHA - “Estamos a roubar o futuro aos nossos filhos”
“Agora que as vacas estão esquálidas é que percebemos a dimensão do desastre cuja responsabilidade recai sobre as nossas costas”, escreve a editorialista Isabel San Sebastián no ABC. Sobre os ombros dos “líderes dos últimos 30 anos e também nos de quem aceitou, por ação ou omissão, num sinistro silêncio ignorante ou cúmplice, o modelo que nos impuseram”, acusa. Para Isabel San Sebastián,
comportámo-nos como se a Espanha inteira nadasse num campo de petróleo, sendo como somos um país pobre. O crescimento espetacular destes últimos anos baseou-se no crédito e nos generosos donativos europeus, e não na nossa capacidade real para pagarmos as faturas de tantas autoestradas, TGVs, universidades e demais equipamentos espetaculares construídos para maior glória dos seus inauguradores. […]
De Bruxelas exigem-nos, como condição “sine qua non”, para que continuem a financiar-nos, que controlemos as despesas desmesuradas das regiões autónomas, porque se converteram num poço sem fundo. Mas quem dá o primeiro passo? Estamos a ver apenas a ponta deste gigantesco e hediondo icebergue de latrocínio, mentira, má gestão e corrupção que foram as antigas caixas de aforro, convertidas em grutas de Ali-Babá e Os 40 Ladrões nomeados, um por um, pelos partidos políticos e pelos sindicatos que meteram a mão nos seus fundos. […]
Esta crise não se resolve num ano, nem em cinco. Veio para ficar, porque o mal causado à credibilidade desta nação e, por consequência, às suas possibilidades de crescer, é imenso. O que significa que roubámos o futuro aos nossos filhos.

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