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sábado, 23 de agosto de 2014

Um tradutor, à mão, de “politiquês” para português de Portugal

Já chegou ao fim da intervenção de um responsável político e pensou para consigo: hã?! Pois, tende a acontecer. Há palavras com que se floreiam os discursos que tendem a deixar a mensagem um pouco mais confusa. Por vezes, até ao antecipar boas notícias o “complicómetro” está ligado – para “desonerar” salários e pensões, por exemplo. Mas a regra dita que os termos menos óbvios cumprem bem um propósito: tornar as más notícias menos imediatas ao ouvido dos eleitores.
Pedro Rainho
‘Acertos’ - substantivo masculino: acto ou efeito de fazer certo ou realizar correctamente.
O que os políticos querem dizer:
Quando a entrega de documentos oficiais se atrasa a culpa é sempre dos “acertos” a fazer – leia-se desentendimentos. Entre os parceiros de coligação, por norma.
‘Ajustamento’ - substantivo masculino: acto ou efeito de ajustar; adaptação, amoldamento, conformação.
O que os políticos querem dizer:
Deu nome ao programa que Portugal fechou em Maio e tem dado nome a (quase) tudo desde 2011 – corte de salários, de reformas, de subsídios, aumento de impostos. Um verdadeiro exemplo de polissemia.
‘Calibrar’ - verbo: dar o calibre apropriado; fazer a medição ou o ajuste do calibre; corrigir.
O que os políticos querem dizer:
Ao fim de 2 anos e meio de austeridade, o país descobriu – via Pedro Passos Coelho – que o memorando estava, afinal, “mal calibrado”. O pormenor justifica que se tenha ido “além da troika”.
‘Competitividade’ - substantivo feminino: qualidade do que ou de quem é competitivo.
O que os políticos querem dizer:
Os trabalhadores portugueses não a têm em suficiente grau. 3 salários elevados para o nível de produção, e por isso é preciso aumentar o horário de trabalho, mantendo o nível salarial e reduzindo, por exemplo, a compensação pelas horas extraordinárias.
‘Consolidação’ - substantivo feminino: acto ou efeito de consolidar; acto ou efeito de tornar(-se) sólido, firme, estável
O que os políticos querem dizer:
Consolidar as contas públicas – a grande fixação do governo – tem passado por “ajustar” o comportamento orçamental do país e tornar a economia mais “competitiva”. Palavreado à parte, a ideia é pôr o Estado a gastar menos, limitando a despesa feita à riqueza criada – abaixo desse nível seria o céu na terra.
‘Alavancar’ – verbo: dar impulso a; agir a favor de; favorecer o desenvolvimento de; fazer avançar; fomentar, promover, incentivar.
O que os políticos querem dizer:
O palavreado económico entrou em força no discurso político. “Alavancar” é outra forma de dizer que se promove o desenvolvimento – ou da economia, ou de alguma medida política, por exemplo.
‘Desequilíbrios’ - substantivo masculino: acto ou efeito de desequilíbrar(-se); falta de proporção, de harmonia; desigualdade.
O que os políticos querem dizer:
A expressão generalizou-se Europa fora. Os “desequilíbrios acumulados” também são traduzíveis por “viver acima das possibilidades”.
‘Desonerar’ – verbo: livrar(-se) de ónus, encargo, obrigação ou incumbência; desobrigar(-se), eximir(-se).
O que os políticos querem dizer:
Até para dar boas notícias o primeiro-ministro escolheu o caminho mais ardiloso. Desonerar os cortes em salários e pensões em 2016 equivale a devolver – algum – poder de compra aos portugueses. Difícil, hein?
‘Externalizar’ – verbo: tornar(se) externo; atribuir tarefa ou serviço a uma entidade externa ou privada.
O que os políticos querem dizer:
“Vá para fora, cá dentro”. O slogan de promoção do turismo em Portugal ajuda a perceber o economês. Os serviços que o Estado até podia disponibilizar – em saúde, educação, etc. – são passados para a responsabilidade das entidades privadas. Gestão de custos, justifica-se.
‘Flexibilizar’ – verbo: tornar(-se) menos rígido.
O que os políticos querem dizer:
Flexibilizar o mercado laboral significa,  traços largos, facilitar despedimentos. Depois, onde alguns vêem “competitividade”, outros vêem “precariedade”.
‘Mentir’ – verbo: afirmar ser verdadeiro (aquilo que se sabe falso); causar ilusão a; dissimular a verdade; enganar, iludir.
O que os políticos querem dizer:
Um político não mente. Quando muito, falta à verdade ou diz inverdades. É o discurso com pinças em todo o seu esplendor. Passar “ao lado dos factos” também é uma alternativa válida.
‘Temporário’ – adjectivo: que dura apenas um certo tempo; provisório, não definitivo.
O que os políticos querem dizer:
Uma medida é temporária. Para o ano vai ser temporária outra vez. No ano seguinte vai ser novamente temporária. E no ano a seguir...
‘Reforma’ - substantivo feminino: mudança induzida em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados.
O que os políticos querem dizer:
Reforma do Estado, da Segurança Social, reforma do mapa judiciário, reforma do IRC feita e a do IRS a caminho. Também traduzível por cortes no Estado, cortes na segurança Social, cortes nos tribunais, benefícios fiscais para as empresas e para os particulares já se verá.
‘Virtuoso’ – adjectivo: que possui e cultiva qualidades de virtude; esforçado, valoroso.
O que os políticos querem dizer:
“Virtuoso” entrou no discurso político pela mão deste governo. Passos Coelho já apontou para um “círculo virtuoso do crescimento” e para uma “trajectória da dívida novamente virtuosa” enquanto Portas apontou o contexto “virtuoso” do crescimento. Com a virtude a assentar arraiais na política, o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, até já veio esclarecer que “o aumento de impostos, seja para o que for, não tem dimensão virtuosa”. Nenhuma, mesmo: é “malicioso”.
Eufemismos à parte, uma realidade caleidoscópica para serpentes encantadoras…

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