Para Manuela Ferreira Leite o primeiro-ministro está a fazer “um bluff de todo o tamanho” com as consequências do chumbo da requalificação da Função Pública por parte do Tribunal Pública e lamenta que “se amedronte as pessoas com um papão”.
A antiga líder do PSD garantiu que a decisão de não deixar passar a lei da requalificação da função pública em nada afecta as contas nos próximos 2 anos, reagindo ao discurso de Pedro Passos Coelho, que agitou "um papão" ao dizer que essa decisão do Tribunal Constitucional baralhava as contas públicas e colocava o país mais perto de um novo resgate. “Eu acho que isto aqui é um bluff de todo o tamanho. Tudo isto é um processo que demoraria muito mais do que um ano, porque só na requalificação, eles [funcionários públicos] estariam um ano. Mesmo que não tivesse sido considerado inconstitucional isto nunca teria qualquer efeito orçamental neste ano nem no próximo. Não tem nada a ver nem com a despesa do próximo ano, nem com o orçamento do próximo ano, nem com a 8.ª avaliação da troika”, defendeu a antiga ministra das Finanças.
Questionada sobre qual era então o objectivo da medida, Ferreira Leite respondeu “não sei”, mas admitiu que o Governo poderia querer “ter a hipótese de vir a libertar-se dos funcionários” mesmo que “para o Orçamento de 2014 não se perca um cêntimo”.
Por isso, Ferreira Leite congratulou-se com a decisão dos juízes do Tribunal Constitucional. “Se era inconstitucional fez muito bem em ter chumbado. Porque nós estamos ou não estamos num Estado de direito? Cada vez que há medidas muito violentas de corte de despesa isso só nos prejudica. E eu continuo a achar que o chumbo do Tribunal Constitucional nalgumas situações só nos ajudou a não nos afundarmos tanto”.
Sobre a relação futura entre o executivo de Pedro Passos Coelho e a troika, Ferreira Leite discorda que as negociações sejam mais difíceis e até defende que o Governo agora pode mostrar que queria fazer as coisas e que não o deixaram pelo que as instituições internacionais terão de compreender.
O antigo dirigente do PSD Ângelo Correia considera que o partido não se preparou para ser Governo e qualifica de “injustificável” a frase do primeiro-ministro Passos Coelho – “já alguém perguntou aos 900.000 desempregados de que lhes valeu a Constituição até hoje?”, atribuindo essa referência a “um excesso de empatia” própria do “entusiasmo” sentido frente a uma plateia como num comício.
E aponta a falta de consistência do discurso relativamente à necessidade ou não de se rever a Constituição. “A Constituição é tão importante em relação aos 900.000 desempregados como [em relação] aos 4.500.000 de empregados. São referenciais de enquadramento que justificam as leis, mas não são responsáveis” por “coisas que dependem das pessoas e do quotidiano da própria governação”, considera Ângelo Correia.
No mesmo discurso, Passos Coelho disse que não era preciso rever a Constituição "para cumprir o memorando de ajustamento" assinado com a troika.
O empresário e ex-dirigente do PSD, que é próximo de Passos Coelho, diz que há uma falta de consistência quando ouve o primeiro-ministro dizer “que não há problemas com a Constituição”.
“Eu sempre ouvi dizer até há 2 ou 3 anos [que havia] a necessidade de revisão constitucional”, lembra. “Se não fosse assim, que lógica teria o próprio programa de revisão constitucional apresentada pela mesma pessoa que é presidente do PSD e primeiro-ministro do Governo?”, questiona. “Não tem consistência. Há discursos que não se podem ter porque as palavras atraiçoam os comportamentos.”
O histórico social-democrata também denuncia uma falta de preparação do Governo para pensar em formas de atenuar os previsíveis choques entre a Constituição e o programa da troika. “Quando o PSD foi para o Governo, há várias coisas que não fez” como “preparar-se para ser Governo”, nota Ângelo Correia.
Faltou, em primeiro lugar, pensar e rever “o enquadramento jurídico necessário para a sua acção, para o tipo de acção requerida pelo programa da troika”. Não aconteceu, diz Ângelo Correia, para quem o Governo “preventivamente devia ter tentado fazer uma lei em consenso com o Partido Socialista: era inevitável”.
Em segundo lugar, insiste, "devia ter tentado, ao achar que a Constituição tem problemas, uma forma constitucional com o PS que fosse inovadora mas positiva". Em vez disso, lamentou, o PSD fez uma proposta de revisão constitucional "que apenas transmite uma imagem identitária de si própria".
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