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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Centros de poder sem legitimação…

Cartoon de Benett
Não é certamente com recurso a variações semânticas que pode melhorar-se a condição económica e social dos europeus que atinge, com gravidades desiguais, os países do Sul e os países do antigo Norte chamado afluente, consumista, unidimensional, e rico. É sobretudo inquietante a parte desses países do Sul onde estão as raízes mais antigas do património imaterial que une todos, que agora foram abrangidos pela fronteira da pobreza, e se confrontam ainda com o turbilhão ameaçador do Mediterrâneo. Mas a irrecusável verificação de que a distinção entre ricos e pobres se acentua, pondo em risco o progresso da unidade europeia, aconselha talvez a não insistir, quase exclusivamente, na crise do sistema financeiro e económico que entrou em disfunção, para tentar não confundir o sistema com a realidade que dele se afastou, com responsabilidades não imputáveis, e procurar reorganizar uma governança da realidade em que a componente da pobreza se instalou desafiante. Isto para não termos de reconhecer uma nova actualidade ao que Vicente Verdú já em 2003, num livro intitulado El estilo del Mundo, chamava "capitalismo de ficção", uma expressão que não despertou a atenção das hoje tão intervenientes agências de avaliação, conhecedoras dos factos mas com dificuldades para encontrar uma semântica tecnocrática circulável sem embaraçar interesses.
O ensaio não se limitou à perspectiva financeira, teve uma visão transdisciplinar, e por isso procurou aproximar as análises sectoriais da economia das que respeitassem à evolução dos costumes das sociedades ocidentais, às inquietações da biogenética, à influência dos meios de comunicação, e até evolução do modelo capitalista liberal. Foi nesta visão que lembrou a tristeza do capitalismo de produção que tanto animou a crítica literária como a análise marxista, o capitalismo de consumo que tornou popular o conceito marcusiano do homem unidimensional, para finalmente diagnosticar o capitalismo financeiro dos nossos dias, que levou ao desastre actual, que não teve por objectivo principal a produção de bens cujo valor instrumental respeitasse os valores éticos das relações cívicas, mas antes criar uma realidade diferente, atraente, fictícia, possível e simples, que eliminasse a preocupação com o futuro, usando a arte de termos o presente por irrenunciável e duradoiro.
Foi um trabalho de jornalista avisado, que anotou com se tornara despiciente a antiga identificação e imagem que animou o sindicalismo activo e a luta pelo poder que veio a consagrar-se por meio século no Leste europeu e no que foi chamado terceiro mundo. Assim explica que, ao contrário do que ainda acontecia há meio século, nesse capitalismo de ficção "a alienação está alienada", e todas as expectativas de desenvolvimento sustentado, com justiça e esperança, se fixaram no modelo, que tendo violado a ética do mercado, e escapado aos poderes reguladores, pôs em causa o valor da confiança a que é urgente regressar.
O sábio Tocqueville disse que a democracia era menos uma forma de Estado do que um estado de sociedade. No dizer de Verdú, "o mundo em geral tende a apresentar-se como se fosse convertido numa edição infantil, fácil de entender, fácil de aceitar..." De facto o que foi principalmente atingido foi o valor da confiança, com centros de poder que realmente funcionam sem legitimação.
Voltando a Tocqueville, o que é prioritário e indispensável é restaurar o valor da confiança, na relação da sociedade com o Estado, um "estilo do mundo" que exige autenticidade e não perícia de imagem, uma nova advertência que o experiente Alain Peyrefitte já em 1976 fazia, ao ocupar-se de "Le Mal Français", ao meditar na diferença entre "sociedades de confiança" e "sociedades de desconfiança". Quando em 1995 voltou ao tema, a realidade era já visível.
Adriano Moreira

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