E eis que volvidas 2 semanas, a tensão voltou a instalar-se no espaço de comentário semanal que o antigo primeiro-ministro, José Sócrates, protagoniza na antena da RTP1, agora interpelado por José Rodrigues dos Santos.
Ora, os ânimos entre jornalista e político pareciam ter refreado, isto após uma estreia na interpelação a Sócrates pautada por controvérsia, com o ex-chefe de Governo a sentir-se afrontado pelo estilo do pivô. Há 2 semanas, Rodrigues dos Santos justificava no Facebook o tom confrontacional que imprimiu, linha que, aliás, manteve ontem à noite, com o que havia aprendido na BBC. Nesta senda, Sócrates não perdeu a oportunidade para aludir ao episódio anterior. “Eu compreendo o seu ponto de vista. Você acha que se deve comportar no sentido de colocar-se no papel de advogado do diabo… estou a citá-lo bem?”, provocou o socialista. E acrescentou quase de imediato: “Até o advogado do diabo pode ser inteligente e pode perceber que não basta papaguearmos tudo o que nos dizem para fazer numa entrevista”.
Rodrigues dos Santos acusou o toque, e depois de ter guardado silêncio durante alguns momentos, reagiu: “Muito bem. Fica registado o seu insulto, ao qual não vou responder”.
Entre ofensas e irritações, houve ainda tempo para o ex-líder ‘rosa’ criticar com afinco as declarações do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acerca de Vítor Constâncio no âmbito do caso BPN.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “o que as pessoas querem realmente saber é se alguém vai ser condenado no processo criminal ou se vai acontecer por exemplo, como no caso Camarate”. “Se não foi acidente nem crime, só pode ter sido um extraterrestre”, afirmou o professor.
“Vítor Constâncio veio dizer que não foi nada como Durão Barroso tinha dito e que não se lembra de nenhuma conversa no geral”. “Por outro lado, Durão Barroso demorou 10 anos a lembrar-se que tinha falado com Constâncio e nem quando houve inquéritos mencionou essa conversa”, afirmou o social-democrata. Com isto, o presidente da Comissão Europeia quer “mostrar que está disponível (para ser candidato a Presidente da República) e que não teve problemas com o BPN”.
Luís Marques Mendes falou sobre o caso do BPN e as reacções à entrevista de Durão Barroso. “Tanto Durão Barroso como Vítor Constâncio estiveram mal. O BPN é um caso de polícia e foi mal feito ter sido transformado num caso de política”, afirma. “Constâncio não esteve bem porque só deveria ter falado se realmente tivesse alguma coisa de útil a dizer. Ao afirmar que não se lembra de nada, foi pior a emenda que o soneto. Todos sabemos que Constâncio falhou redondamente na supervisão”, acrescenta o ex-presidente do PSD. Marques Mendes acrescentou ainda que acha “surreal Durão Barroso fazer inaugurações durante uma campanha eleitoral”.
Para quem assiste ao blá, blá dos comentadores mais “destacados”, todos ex-dirigentes de Partidos do “arco e flecha”, com maioria absoluta do PSD, percebe de imediato que o que se passa no “tempo de antena“ de Sócrates quando José Rodrigues dos Santos lhe devia dar as dicas, se transformou numa entrevista/interrogatório, impedindo o ex-PM de comentar o que quer que lhe seja perguntado.
Mesmo para quem não gosta(va) de Sócrates, começa a ser revelador que algo está por trás do novo formato de “comentário”, em que quem os faz é o entrevistador, de uma forma tão agressiva e planeada, que mereceu o que ontem ouviu, com ironia e justificação.
E o resultado de um tempo de comentário, é que (por acaso ou insistência) ainda houve tempo para o ex-líder ‘rosa’ criticar com afinco as declarações do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acerca de Vítor Constâncio no âmbito do caso BPN, que era o fulcro da questão…
Assim não, Rodrigues dos Advogados do Diabo! Está a transformar em alvo da conversa o passado, impedindo-nos de ter ouvir as críticas ao presente e vaticinações sobre o futuro. Ainda vai por em jogo quem gostaríamos de ver afastado…
Entretanto, perante os sorrisos histéricos de Judite de Sousa, que não leu o Manual da BBC, Marcelo lá vai despejando indiferença ou leveza sobre os assuntos mais sérios, preocupado apenas com os eventuais candidatos à presidência da República. Sobre o BPN diz o que diz, correligionários à parte…
Já Marques Mendes, acompanhado por Maria João Ruela, que também não leu o Manual da BBC, é salomónico, reparte culpas por todos os “Pilatos”, sem deixar de classificar de surreal, que seja Durão Barroso a intrometer-se numa das nossas campanhas eleitorais, até porque, de tão mau que foi como presidente da CE, vai ser “despedido” e anda à procura de “emprego” compatível com o currículo.
Comentários/entrevistas à parte, inoportunamente anda-se a discutir sobre as últimas eleições da agenda, sem que se discutam as muito próximas Eleições para o Parlamento Europeu, em que Durão Barroso virá à baila e por isso nos anda a “dar baile” e todos dançam ao ritmo que ele impõe…
Falem dos outros para não falarem de mim!
Depois de custos de pelo menos 7.000 milhões de euros, que saíram do bolso dos contribuintes, sem nenhuma condenação entretanto e com inqualificáveis prescrições à vista, o BPN é sempre um tema quente. Que queima quem nele toca. Mesmo quando parece estar em fase de rescaldo, basta um pequeno sopro para o atiçar. Mais do que isso, temos o fogo de novo ateado e sem controlo. Durão Barroso, sabendo dos perigos, arriscou ser incendiário. Chamuscou quem quis atingir, é certo. Mas foi ele quem acabou por ficar mais queimado.
Filomena Martins
A decisão de reacender o tema BPN, colocando-o como ponto central de uma entrevista em que nem sequer foi questionado sobre ele, é tão claro como o timing escolhido para falar aos portugueses e os objetivos com que o fez. A 6 meses de deixar de ser presidente da Comissão e tendo percebido pelas sondagens que jamais será um novo D. Sebastião para os portugueses, tratou-se de fazer prova de vida. De se posicionar no terreno do jogo político. De mostrar ao País que pode ser um bom pivô. O que tanto convence Merkel e está ao lado dos países pobres, como o que defende os grandes consensos. O que até dá ralhetes ao Governo pelo excesso de austeridade, ainda que apoiando as políticas de Passos, o líder do partido que sabe que apoiaria a sua candidatura presidencial. Entre fintas e caneladas aos adversários, passando por entradas a pés juntos aos seus próprios ex-ministros, aquilo que vimos foi o José Manuel europeu voltar a transformar-se no Durão Barroso de há 10 anos. Com outras ambições.
É aqui que entra o BPN. E a não ser que o caso encerre um mistério ainda maior do que o vergonhoso crime financeiro que todos já conhecemos, Durão só pode ter ido repescar às anotações diárias dos seus caderninhos as reuniões que teve com Constâncio em 2003 e 2004 por 3 motivos. Um é tentar afastar-se o maior possível de um caso que envolve a sua família política e muitos que lhe eram próximos. O outro é fazê-lo invertendo as responsabilidades partidárias, colando o PS ao escândalo, através das falhas de Vítor Constâncio enquanto supervisor, mesmo que isso signifique, uma vez mais, atacar o polícia e não fazer nada para punir o ladrão. E o terceiro pode ser mesmo o de anular à partida quaisquer planos presidenciais que passem pela cabeça do vice do BCE...
Constâncio, é preciso dizê-lo, caiu na esparrela. Quem tem necessidade de dar justificações já está a perder. Fazê-lo de forma voluntarista e sem os auxiliares de memória de Durão pior ainda. Os factos são claros: entre os primeiros boatos sobre o BPN nos bastidores, as notícias públicas e as conversas em São Bento agora conhecidas passaram pelo menos 4 anos até o Banco de Portugal atuar. Mas isso já se sabia: uma das comissões de inquérito tinha posto as datas na coisa. O que ficámos agora a saber é que ele não foi o único a não fazer nada. O então primeiro-ministro, que tinha preocupações suficientes com o problema para convocar por 3 vezes o governador do Banco de Portugal, também assobiou para o lado. O que o torna, no mínimo, cúmplice. Até porque guardou provas.
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