Como dizia o poeta, as “nossas melhores lembranças são falsas” ou pelo menos parcialmente verdadeiras. Assim foi numa noite de natal. Devia ter 6 ou 7 anos. O pinheiro enfeitado num canto da sala, bem próximo da lareira por onde Pai Natal entraria e deixaria os presentes sob a árvore. Ao andar pela sala era orientado pela minha mãe a não abrir os olhos, pois poderia “topar” com o velho Claus em carne e osso! Assim o fazia crente naquela alegórica ilusão. E então o meu pai convidou-me para irmos até a rua, pois naquele exato momento iniciar-se-ia a entrega dos presentes em todo o mundo, e com alguma dose de sorte poderíamos enxergar no céu o trenó “singrando” o espaço incensado por um punhado de renas. E nos degraus de acesso à porta principal da casa-gelo, deparei-me com outra forma de alegria.
Além da expectativa do presente natalício poderia agora estar mais próximo de um pai muitas vezes ausente, mas que naquele instante se dispusera a compor uma persona atenta à alegria de uma pequena criança. Enquanto me distraía apontando o céu, ficava a observar os seus gestos e o seu esforço em me contar histórias que, por certo, já nem acreditava mais. Todavia, ao mesmo tempo que confundia a Lapónia com a Gronelândia, a sua imaginação ia mais longe e parecia estar a gostar das invencionices mirabolantes. E sorria. Poderia apostar que se divertia mais do que eu. Até que o transe daquele momento único foi interrompido pela minha mãe, avisando-nos que o Pai Natal já tinha dado o ar da sua graça em nossa casa.
Quando adentramos a sala de estar lá estavam os meus irmãos maiores. Perguntei-me porque não estavam lá fora como eu esperando a entrega dos presentes. Depois, essa indagação se dissipou, pois havia caixas para abrir e a ceia muito caprichada já estava pronta. No outro dia fui exibir os brinquedos para os amigos do bairro, que também traziam os seus presentes e o colorido da alegria infantil. Mas, não me saía da lembrança o que o meu pai fez para me despistar. Como não era dado à eloquência, o simples facto de ter participado do ardil simbólico foi mais importante do que qualquer presente que pudesse ganhar. E dei-me conta que a parte mais significativa da noite natalícia eram as estratégias arquitetadas pelos meus pais para que continuássemos a acreditar na fábula, no fantástico, enfim, continuar a alimentar a criança que está oculta em cada um de nós.
Jéferson Danta - Historiador, ensaísta, compositor e letrista. Doutorando em Educação (UFSC).
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