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sábado, 23 de março de 2013

Isto não vai ser um show de televisão, “É política, pá”!

O homem é um colosso. Só alguém tão carismático como José Sócrates poderia regressar menos de 2 anos depois. Mas mesmo isso não bastaria se as actuais lideranças políticas fossem fortes. Não o são: no Rato e na Lapa só há pão-de-ló. Em Belém, chá.
Pedro Santos Guerreiro
Só se pode encher o que está vazio. A orfandade de lideranças políticas é um buraco tão monstruoso que lá cabe o PS, o PSD e, vá lá, a União Europeia inteira. Ora, Sócrates é uma caderneta de defeitos, mas é um líder, um excelente comunicador e um animal político não apenas feroz, mas também mais eficaz que todos os outros juntos. Não é carnívoro nem herbívoro, segundo a legenda de Marcelo Rebelo de Sousa: é omnívoro. Um profissional temível entre amadores amáveis.
Sócrates será um campeão de audiências (sempre o foi, mesmo em Paris) e de fracturas. O seu carisma e linguajar populista acomodam-se a uma idolatria chavista. É, além disso, um personagem intrigante: nunca antes nem depois dele se escreveram tantos "perfis psicológicos" sobre um primeiro-ministro. O país tem uma paranoia com ele, entre os que o odeiam e os que o amam. Ele não une, atrai e repele, pelo que divide. Mas vai meter António José Seguro num chinelo e bater em Passos com o outro.
Sabe o que pensa Passos Coelho da União Europeia? Sabe como quer Seguro resolver os desequilíbrios macroeconómicos do país? Sócrates diz duas frases e toda a gente percebe, concordando ou discordando. Isso é política. E isso vai retirar o PS do centro da oposição.
É por isso que há neste regresso de José Sócrates muito mais que uma inconveniência ou uma excitação. Da mesma maneira que até Manuela Ferreira Leite já chegou a ocupar o espaço de Seguro, Sócrates vai liderar a oposição. Vai acertar contas com Cavaco Silva, que pensou ter dado o golpe de misericórdia no célebre prefácio de há um ano. Vai acertar contas com Passos Coelho, que, sabe-se hoje, mentiu quando se disse surpreendido pelo PEC IV.
As culpas de Sócrates estão documentadas. São gigantes. Como primeiro-ministro, praticou um relativismo moral assustador e um utilitarismo da verdade; endividou o país com políticas de betão que faliriam, tomou conta dos negócios e se hoje diz que só fez o que a União Europeia o mandou fazer, então é igual a Passos na obediência à troika. A saída de Sócrates foi penosa, numa cegueira enlouquecida e negacionismo alucinado que ajoelhou o país. Por tudo isso perdeu umas eleições e será ou não derrotado noutras. Mas nada disso o impede de voltar. Ainda nos irritaremos, ou riremos, quando ouvirmos Sócrates dizer que deixou o Governo com um desemprego de apenas 12%, o PIB 7% maior, a riqueza gerada por cada português ("per capita") 1.000 euros mais alta que agora.
O regresso de Sócrates é um murro na vidraça desta política açucarada em que vivemos. Mas não é só ele. Ontem, Teixeira dos Santos acusou o Governo de memória curta, Maria de Lurdes Rodrigues deu uma entrevista ao “i” contra os despedimentos de professores, Jorge Coelho estreou-se na “SIC Notícias”, Pedro Marques atacou Gaspar no Parlamento, Francisco Assis escreveu no “Público” e Ferro Rodrigues criticou o Governo. Neste "comeback", Elvis não está só. Não é a brigada do reumático, mas é a brigada do traumático. E Seguro, sim, ficará desasado.
Líderes fortes não dariam espaço a quem deixou o país casado à força e de papel passado (e assinado) com uma troika que despreza. Mas os partidos são as vítimas de si mesmos, da falta de possibilidade de renovação, da preservação doentia. É sempre a mesma gente e, quando é outra (como Rui Moreira tenta no Porto), é triturada pelas debulhadoras.
Na célebre parábola d’"Os Irmãos Karamazov", de Dostoiévski, o Grande Inquisidor manda prender Jesus Cristo, que, regressado à Terra em pleno século XVI, se passeia incógnito, mas é reconhecido: toda a gente sente o seu poder. Sócrates regressa à entrada da Quaresma, quando os cristãos trilham o caminho do esforço para se purificarem e acreditam de novo que tudo é possível. Para chegar à ressurreição é preciso passar pela paixão. E paixão não falta a Sócrates. Nem ódio por ele.
Isto não é um show de televisão, isto é política. Sócrates não vai ser comentador, vai ser poderoso, vai forçar a definição de uma nova expectativa política em Portugal, vai pôr em causa a água choca desta ordem estabelecida, partindo o que antes se dobrava. Vai desestabilizar. Vai contribuir para a ingovernabilidade. Vai arregimentar quem prefere dar murros em vez de abraços. Vai ser um fartote.

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