A quantidade de pormenores que uma criança de 4 anos é capaz de retratar quando desenha uma pessoa pode ser um indicativo da sua inteligência futura.
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Da esquerda para a direita: Cima: 6, 10, 6; Baixo: 6, 10,
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Um estudo de longo termo e de
grande dimensão, levado a cabo no Reino Unido, e publicado esta semana na
revista Psychological Science, mostra que a forma como uma criança de 4
anos desenha uma figura humana não revela apenas algo sobre a sua inteligência
nessa idade como é indicativa da inteligência que terá dentro de 10 anos.
Para chegar a esta conclusão inédita, uma equipa de investigadores do King's College de Londes pediu a 7.752 pares de gémeos "verdadeiros" e "falsos" de 4 anos que desenhassem uma criança. Cada desenho foi avaliado de 0 a 12, com base no número de características presentes, como pernas, braços ou traços faciais. Na mesma altura, as crianças foram também submetidas a testes, verbais e não-verbais, de avaliação de inteligência.
10 anos depois, quando as crianças atingiram os 14 anos, os investigadores voltaram a testar a sua inteligência e descobriram que uma pontuação mais elevada nos seus desenhos correspondia agora, tal como na altura, a uma maior inteligência. E aí residiu a surpresa dos investigadores, que esperavam ver uma relação (entre a pontuação obtida nos desenhos e a inteligência) aos 4 anos, mas não verificar uma consistência dos resultados uma década mais tarde.
A correlação, no entanto, "é moderada", sublinha o líder do estudo, Rosalind Arden, em comunicado. "As nossas descobertas são interessantes mas não significam que os pais devam preocupar-se se o filho desenha mal", acrescenta. "A capacidade para desenhar não determina a inteligência, há inúmeros fatores, tanto genéticos como ambientais, que afetam a inteligência mais tarde na vida", conclui.
Não vou dissertar, mais uma vez, sobre as Inteligências Múltiplas porque pelo que se percebe os autores do “estudo”, nunca devem ter lido nada sobre a matéria…
Nem vou falar da “Educação pela Arte”, porque quem quiser que leia António Damásio, entre muitos…
Vou apenas referir-me a um dos primeiros estudos sobre o assunto, que li há muitos anos, de Georges-Henri Luquet, ‘O Desenho Infantil’, que me guiou para a psicologia do desenvolvimento, para entender e criar empatia com os meus alunos na procura da representação do “real”, virtualmente.
E agora já posso opinar sobre o “estudo”, que se baseia num conceito de “inteligência” já ultrapassado entre teóricos, mas que os Sistemas Educativos ainda privilegiam, a ponto de iniciar a Educação Visual (a Inteligência Espacial), como é o nosso caso, apenas no 7.º ano, exatamente aos 14 anos. Isto para dizer que, durante 10 anos, algumas das outras “inteligências”, no caso, a Espacial, ficaram congeladas, sem qualquer possibilidade de progressão. Se assim não fosse e houvesse formação “artística” desde o 1.º ano, aos 14 anos os desenhos seriam muito mais “realistas”, apenas pela acumulação dos novos conceitos das coisas e do mundo, como acontece com qualquer das outras “inteligências”…
E se assim fosse, em vez de o título ser: “Diz-me como desenhas aos 4 anos, dir-te-ei que inteligência terás aos 14”, poderíamos titular, por exemplo: “Diz-me como escreves aos 4 anos, dir-te-ei que inteligência terás aos 14”…
Ou seja, até na ciência e na pedagogia andam a informar-nos, com base em erros, que podem abalar a formação que fomos acumulando…
Eu sei que “isto” não tem interesse, mas devia interessar muita (toda a) gente, que vive da “Educação” para EDUCAR…
Georges-Henri Luquet consagrou a sua vida ao estudo do desenvolvimento da comunicação humana pela imagem. É um dos pioneiros do estudo do desenho infantil e as suas teses foram integralmente retomadas por Jean Piaget. Marcaram profundamente a psicologia do desenvolvimento e forneceram numerosas conceções, tanto aos psicólogos como aos pedagogos. As suas pesquisas sobre o desenvolvimento gráfico das crianças foram influenciadas pelos seus trabalhos em antropologia e, reciprocamente, também os influenciaram.
Vários estudiosos observaram e procuraram identificar e descrever as etapas gráficas do desenvolvimento do desenho, entre os mais conhecidos estão Luquet, Piaget e Lowenfeld.
Luquet, por exemplo, dividiu as etapas gráficas em Realismo Fortuito, Realismo Falhado e Realismo intelectual e realismo visual.
No Realismo Fortuito, a criança começa a fazer traços sem qualquer objetivo (não há intenção para uma representação gráfica), mesmo sabendo que os traços realizados por outrem podem querer determinar um objeto determinado e representá-lo efetivamente, a criança não considera a ideia de também possuir a mesma habilidade. É nesta fase também que podemos identificar os famosos "garatujos", e de acordo com as definições de Piaget, este é o período sensório-motor.
“A princípio, para a criança, o desenho não é um traçado executado para fazer uma imagem mas um traçado executado simplesmente para fazer linhas.” (Luquet, 1969 pg.145)
Até certo ponto, a criança produzirá mesmo acidentalmente uma parecença não procurada. A partir daí ela passará por uma série de transições até adquirir a totalidade das faculdades gráficas (intenção, execução e a interpretação correspondente à intenção) chegando consequentemente ao realismo intencional.
A Segunda Fase descrita por Luquet é o Realismo Falhado; quando a criança chega ao desenho propriamente dito, quer ser realista, mas a sua intenção choca com obstáculos gráficos e psíquicos, que dificultam a sua manifestação. São exemplos de obstáculos a incapacidade para dirigir os seus movimentos gráficos, o caráter limitado e descontínuo da atenção infantil e principalmente a incapacidade sintética – quando a criança não chega a sintetizar num conjunto coerente os diferentes pormenores que desenha com a preocupação exclusiva de os representar cada um por si.
A terceira fase, é a do Realismo intelectual, onde a criança pretende deliberadamente reproduzir do objeto representado, não só o que se pode ver, mas tudo o que ali existe e dar a cada um dos elementos a sua forma exemplar.
“Enfim, aos 4 anos, a criança chega ao Realismo visual cuja principal manifestação é a submissão mais ou menos infeliz na execução da perspetiva. (Luquet, Pg.212)
De acordo com Piaget, é neste ponto que a criança se encontra no estágio pré-esquemático, que se inicia por volta dos 4 anos e se estende até os 7 anos mais ou menos. Após esta fase a criança com idade entre 7 e 9 anos entra no estágio esquemático, e após os 9 anos passa para o estágio do realismo nascente, vale ressaltar que estes estágios compreendidos entre os 7 e 11 anos estão dentro do período das operações concretas.
É claro que estes estágios não são estáticos, imutáveis, existem crianças que saltam alguns estágios de desenvolvimento, e existem crianças que param de se desenvolver devido a vários fatores que influenciam a sua vida, como a família, a situação social e económica, distúrbios psicológicos e gosto particular.
Por que paramos de desenhar?
À medida que a criança cresce, desenvolve o seu espírito crítico em relação aos seus trabalhos. Muitas vezes essa consciência crítica supera o seu desejo de se expressar criativamente; principalmente nos casos em que a criança passa com rapidez da infância para a adolescência num prazo demasiado curto, não podendo ajustar-se com suficiente brevidade à sua nova consciência crítica e fica assim, insatisfeita com as suas realizações. Acha tudo “infantil e mal feito”.
Quando isto sucede com muita frequência e nada se faz para remediar, a criança perde interesse pela arte e suspende completamente, as suas atividades artísticas. Já não pode desenhar coisa alguma, porque devido à sua repentina “tomada de consciência” crítica passa a perceber a pobreza dos seus meios infantis de expressão. Os seus desenhos parecem-lhe até ridículos, da mesma maneira como certos folguedos infantis, por exemplo, o “esconde-esconde”, lhe parecem indignos da sua atual “maturidade”. (Lowenfeld, 203).
Também Luquet exemplifica como se dá o abandono da criança pela atividade do desenho. Conforme a sua teoria, esse desinteresse é produzido na idade em que a criança chega à conceção do realismo visual – com a sua consequência fundamental: a perspetive; os desenhos que executava anteriormente de acordo com o realismo intelectual já não satisfazem o seu espírito crítico desenvolvido, e sente-se incapaz de fazer desenhos como quereria fazer.
Porém Luquet na sua obra “O Desenho Infantil”, além de exemplificar como se dá o abandono do interesse do ato de desenhar pela criança, também propõe sugestões de como evitar esse abandono. Conforme Luquet, o ensino do desenho deve visar não a acelerar artificialmente a evolução espontânea do desenho, a fazer desenhar em realismo visual quando a criança ainda quer desenhar em realismo intelectual, mas por a criança em estado de desenhar convenientemente em realismo visual quando tenha esta intenção.
Isso deve ser feito preferencialmente ensinando os principais efeitos da perspetiva, mostrando-lhes factos em objetos do seu quotidiano e exercitando o desenho tanto quanto possível ao natural.
Mas para Luquet, a principal atitude do educador deve ser a de “apagar-se”, deixar a criança desenhar o que quer, propondo-lhe temas sempre que ela necessite e sobretudo quando lhe pede, fazendo sempre com que estas sugestões não soem como imposições e sobretudo deixá-la desenhar como quer, a seu modo.